Assassinato de líder do Hamas mostra Netanyahu disposto a prolongar conflitos em seu favor?
O assassinato do chefe da ala política do Hamas Ismail Haniya, ocorrido nas primeiras horas da madrugada desta quarta-feira (31), sinaliza que Benjamin Netanyahu, premiê israelense, está disposto a esticar a corda no que diz respeito às tensões no Oriente Médio, avaliam especialistas.
SputnikEm entrevista aos jornalistas
Marcelo Castilho e
Melina Saad, para o
Mundioka, podcast da
Sputnik Brasil, analistas falaram
sobre a morte de Haniya e os eventuais desdobramentos que o assassinato do líder da ala política do Hamas, no Irã, pode desencadear.
Acordos de cessar-fogo ameaçados?
Haniya era uma figura-chave do Hamas para assuntos relacionados ao cessar-fogo entre o movimento palestino e Israel. Seu assassinato "joga nos ares" tudo o que havia em termos de negociação nesse sentido, afirma Najad Khouri, economista com MBA em relações internacionais e pesquisador sênior do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (GEPOM).
De acordo com Karime Cheaito, doutoranda em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e membro do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI), o momento nebuloso demanda mais perguntas do que produz respostas. Um dos principais questionamentos é "por que assassinar a principal liderança do Hamas envolvida nessas negociações?".
Nesse cenário de incertezas, a especialista afirma também que o mundo já deveria estar preocupado com os acordos de cessar-fogo há dez meses, ou seja, logo após a escalada inicial pós-7 de outubro, e que agora o que é visto é "um retardamento cada vez maior de qualquer possibilidade de um cessar-fogo".
Israel não assumiu a autoria dos ataques. Segundo Khouri, não assumir ataques fora do território israelense é uma cultura do país.
Por que o governo Netanyahu segue empilhando ofensivas?
Antes da escalada de 7 de outubro do ano passado, Netanyahu já era alvo de um processo por corrupção.
"O governo e a estrutura política do Netanyahu estão em xeque. Uma escalada dessa guerra forçaria os Estados Unidos a intervirem e adiarem, talvez, a queda do governo de Netanyahu", resume Cheaito sobre os interesses do premiê israelense em delongar conflitos envolvendo Israel.
Para atingir tal interesse, Netanyahu, por exemplo, usa o
fim do Hamas como justificativa para empurrar as Forças Armadas de seu país para a ação. Entretanto essa estratégia antiga de Israel, de matar líderes, é vista como ineficaz para a analista.
"Quando um líder é assassinado, outro vem substituir. E o que se percebe é que esses movimentos, em vez de se enfraquecerem, se fortalecem", analisa.
O premiê israelense enfrenta resistência dentro do próprio país, com israelenses pedindo sua saída.
"O quanto ele puder prorrogar até a eventual chegada do [Donald] Trump [ex-presidente dos EUA e candidato republicano à Casa Branca neste ano], [ele vai, pois] é bom para o Netanyahu", avalia Khouri.
"Para ele se segurar no governo, quanto mais atos extremistas, mais assassinatos e mais ataques, melhor para ele. A paz significa que ele vai a julgamento, que ele vai cair", acrescenta o economista.
Israel pode ser alvo de vingança e retaliações?
Há alguns meses, quando
Israel atacou a seção consular da embaixada iraniana em Damasco, o governo do país árabe prometeu respostas. Agora a reação é a mesma: o ataque que vitimou o líder do Hamas — que estava em Teerã para participar da cerimônia de posse do novo presidente da república islâmica — gerou revolta na cúpula do governo iraniano.
O líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, disse nesta quarta-feira (31) que vingar o
assassinato de Haniya é "dever de Teerã", uma vez que o ataque aconteceu no país.
Segundo Najad Khouri, a promessa de vingança é uma retórica comum no Oriente Médio.
"Quando Israel matou um cientista iraniano em Teerã, houve a mesma retórica", recorda.
Entretanto a hipótese de o Irã levantar-se institucionalmente, ou, em outras palavras, declarar guerra diretamente a Israel, é vista como mais difícil pelo especialista.
"O Irã é um país, digamos, racional, não quer entrar em uma guerra direta com Israel por uma razão muito simples: eles não têm fronteira conjunta. Então o que vai ganhar com isso? É destruição para os dois. O Irã não quer um confronto com os americanos porque os americanos têm um poderio bélico que pode destruir praticamente todos os armamentos do Irã", explica Khouri.
Por outro lado, o analista acredita que
o Irã deve continuar fomentando uma "guerra por procuração", investindo nas chamadas forças de resistência presentes em vários países do Oriente Médio, como os houthis no Iêmen, o Hamas na Palestina e o
Hezbollah no Líbano.
Na visão do especialista, nesse contexto, esses grupos vão manter ataques isolados, como os que têm sido perpetrados pelos houthis no mar Vermelho ou um recente de míssil, atribuído ao Hezbollah por Tel Aviv, que matou crianças em Israel.
Em comum, os grupos que dividem essa aliança do chamado Eixo da Resistência carregam exatamente a ideia de se colocar "contra todas as formas de opressão, e eles têm como figuras centrais de oposição Israel e os Estados Unidos", explica Cheaito.
"Eles reafirmam a todo momento que a cada soldado, a cada membro que se mata desses grupos, outros vão surgir", acrescenta a pesquisadora.
Para ela, inclusive, o momento é de possibilidade de intensificação dos ataques do Hezbollah contra Israel, sobretudo devido ao recente ataque israelense contra Beirute, capital libanesa.
"O Hezbollah e os houthis já mostraram que eles são capazes de
atacar Tel Aviv se eles quiserem."
E os Estados Unidos?
Cheaito chama a atenção para o fato de que tanto o ataque em Beirute, na última semana, quanto o ataque em Teerã nesta madrugada que matou o líder do Hamas aconteceram após Netanyahu fazer uma passagem pelos EUA, quando
esteve no Congresso norte-americano.
"É impossível que eles tenham acontecido sem o consentimento dos Estados Unidos", afirma a especialista.
Segundo ela, a escalada de conflitos na região também pode ser vista como uma forma de "
forçar os Estados Unidos a entrarem diretamente na guerra".
A analista reiterou, ainda, o questionamento sobre o propósito da morte de Haniya, diretamente envolvido nos acordos de cessar-fogo.
"Qual é o interesse de promover acordo de cessar-fogo assassinando a principal liderança envolvida nos acordos? Isso mostra o envolvimento também direto dos Estados Unidos nesse conflito. Existe uma conivência, existe um apoio a tudo que Israel está fazendo, embora o discurso no palanque seja outro", finaliza.
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