Panorama internacional

Saara Ocidental: interferência da França na região demonstra arrogância colonialista?

Nesta semana, o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou o reconhecimento do Saara Ocidental, onde vive o povo saaraui, como território do Marrocos, país que é parceiro do Ocidente. Mais uma vez, a interferência francesa na soberania da região mostra a arrogância colonialista do país?
Sputnik
Termo originado no latim, autóctone descreve um povo que é originário de um território anterior à colonização realizada por estrangeiros. No Brasil, por exemplo, ainda existem cerca de 5 milhões de pessoas consideradas assim e que falam cerca de mil línguas diferentes. No Saara Ocidental ainda acontece a luta da última colônia da África, em que há uma população de quase meio milhão de pessoas que ainda resiste ao imperialismo europeu: o povo saaraui ou povo do deserto. Sob a Frente Polisário, organização política, fundaram a República Árabe Saaraui Democrática, reconhecida por mais de 80 países. A Organização das Nações Unidas (ONU) considera a região território ainda não descolonizado.
Porém, o Marrocos considera a região que vive esse povo como território do país, e até chegou a construir um muro de areia de mais de 2,7 mil quilômetros de forma ilegal, de maneira a isolar a população saaraui. Além disso, há postos de controle, observação e espionagem, assim como um contingente com mais de 100 mil soldados.
Mundioka
Como França e Espanha mantêm influência no Saara Ocidental?
Nesta semana, o governo do presidente Emmanuel Macron declarou que a França passou a reconhecer o Saara Ocidental como território do Marrocos, o que gerou reações de países como a Argélia, ex-colônia francesa e que retirou os embaixadores de Paris em retaliação. Em comunicado enviado ao rei marroquino Mohammed VI, Macron declarou ainda que "pretende agir em alinhamento com essa posição tanto nacional quanto internacionalmente".
Além disso, Macron quer levar a discussão para o Conselho de Segurança da ONU, no qual possui poder de veto. "Hoje, um consenso internacional cada vez mais amplo está surgindo. A França desempenha plenamente o seu papel em todos os fóruns relevantes, através do seu apoio aos esforços do secretário-geral das Nações Unidas e do seu enviado pessoal. É hora de seguir em frente. Portanto, encorajo todas as partes a unirem-se para um acordo político, que está ao nosso alcance", finalizou.
Historiador e especialista em relações internacionais, o vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina Sayid Marcos Tenório avaliou ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que Macron trata a questão com total "arrogância colonialista" e, por outro lado, parece também fingir que desconhece os direitos do povo saaraui.
"O reconhecimento dessa soberania do Marrocos sobre o Saara Ocidental é algo que contraria o direito internacional e também várias decisões de organismos internacionais. Por exemplo, o Tribunal da União Europeia julgou por um longo período essa questão da soberania do Marrocos sobre o Saara Ocidental e ficou decidido que não havia nenhuma comprovação histórica, nem geopolítica, nem de nenhuma ancestralidade que levasse a isso", disse.
O especialista também pontuou que a posição francesa logo foi compartilhada pela Espanha, que também tem grande responsabilidade pela situação no Saara Ocidental. "São coisas que a Frente Polisário vem alertando o mundo. Isso também tem o apoio de mais de 80 países, que reconhecem a República Árabe Saaraui Democrática e é tema em discussão na ONU. O que o Marrocos faz no território é colonialismo, e é contra isso que o povo do Saara Ocidental luta", disse, ao acrescentar que o Brasil, apesar de não reconhecer a área como um país, considera a Frente Polisário como legítimo representante da luta e das reivindicações da população há mais de 50 anos.
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Quem controla o Saara Ocidental?

Desde 1991, quando houve um cessar-fogo entre a ala militar da Frente Polisário e o Marrocos, dois terços do território passaram a ser controlados por Rabat, que tem o apoio da França e dos Estados Unidos, enquanto o restante é administrado pelo povo saaraui, que a ajuda da Argélia.

"A França exerceu um colonialismo predador e muito forte na África. Usurpou o Marrocos, usurpou Camarões, usurpou vários países. Então esse colonialismo aproxima a França dos planos marroquinos. Paris também é, hoje, uma das principais potências europeias que se beneficiam das riquezas naturais do Saara Ocidental através de contratos ilegais de pesca, a mineração de potássio, que é o principal insumo para a produção de fertilizantes. E, por outro lado, o rei do Marrocos também tem uma relação política muito próxima com esses políticos da direita francesa", enfatizou.

Enquanto o próprio governo se ocupa e investe recursos para manter o domínio do Saara Ocidental, o especialista lembra que a população marroquina enfrenta muitas dificuldades e é submetida a grande repressão. "Os movimentos democráticos e de direitos humanos do Marrocos vivem sob repressão do rei Mohammed VI. Então, penso que há uma opressão tanto da França quanto da Espanha sobre o povo do Saara Ocidental através do apoio ao Marrocos […]. Então há um jogo que envolve a economia, envolve interesses políticos e envolve a chantagem desse ditador marroquino aliado de Israel para pressionar, oprimir e manter o controle sobre o território do Saara Ocidental", afirmou.
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'Marrocos tem direito histórico sobre a região'

Já o professor de relações internacionais Mohammed Nadir defendeu ao podcast Mundioka que a França "demorou para reconhecer um direito histórico do Marrocos" sobre o Saara Ocidental.

"Para os marroquinos, o ato da França, que é a antiga potência colonial, é de fato uma mudança radical em um processo que tem mais 50 anos de conflito. E, de certa forma, acho que aquilo que se viu, pelo menos até agora, é que a Argélia não reagiu da forma diplomática que se podia esperar. Pelo contrário, de uma forma mais agressiva, chamando o embaixador de Paris para a Argélia, o que é quase um incidente diplomático entre os dois países", argumentou.

Conforme o especialista, durante a independência marroquina da Espanha em 1975, mais de 350 mil pessoas foram até a região do Saara Ocidental no evento que ficou conhecido como Marcha Verde. "Isso confirma a relação histórica que existe entre as pessoas e seus territórios no Sul."
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