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França já vai tarde? Ingerência gaulesa segue cada vez mais sob ataque nas colônias e ex-colônias

© AP Photo / Stephane de Sakutin / Acessar o banco de imagensSoldados franceses na República Centro-Africana ouvem discurso do ministro da Defesa da França, Jean-Yves Le Drian, em base militar de Bangui
Soldados franceses na República Centro-Africana ouvem discurso do ministro da Defesa da França, Jean-Yves Le Drian, em base militar de Bangui - Sputnik Brasil, 1920, 07.08.2024
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A movimentação no tabuleiro das atuais e ex-colônias francesas continua. Um processo na ONU discute essa descolonização e recentemente foi criado o Conselho do Sahel por Burkina Faso, Mali e Níger, que lideram movimentos anticoloniais. Confrontos entre forças pró-independência e autoridades francesas continuam na Nova Caledônia, no oceano Pacífico.
As ingerências diretas da França nas colônias e ex-colônias estão com os dias contados?
Para debater esse assunto, o Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, ouviu Natali Hoff, especialista em relações internacionais pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA); e Alexandre Alvarenga, professor de relações internacionais da Universidade Veiga de Almeida (UVA).
Forma de dominação política, formal, jurídica, que aconteceu ao longo da história, o colonialismo ganhou nova roupagem no sistema neoliberal, explicou a especialista Natali Hoff.
As formas de dominação inauguradas pelas potências europeias nas Américas no século XVIII e, depois, em outras regiões do globo, foram se ajustando às investidas anticolonialistas dos povos oprimidos e explorados, de acordo com ambos os entrevistados.

"São diferentes formas de luta e de resistência aos mecanismos de dominação colonial construída ao longo dos séculos, mas especificamente ao colonialismo moderno, relacionado a essa história de construção da Europa moderna, […] quando a gente pensa na formação do Estado-nação, do sistema capitalista, todos esses elementos estão vinculados a esse passado colonial da Europa e seus efeitos bastante perversos, principalmente na periferia do sistema internacional", evidenciou Hoff.

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Os movimentos recentes em países da África e territórios ultramarinos, segundo Alvarenga, fazem parte desse movimento anticolonial e anti-imperialista, de superação. Ele lembra que o império colonial francês teve enorme baixa nas décadas de 1950 e 1960, quando perdeu a maioria das colônias, mas manteve presença nas ex-colônias.
Entretanto, o crescimento recente da influência de atores externos, como Rússia e China no continente africano, têm ameaçado a importância da França na região. "São outros atores que vão se apresentando como alternativas para essas regiões que a França sempre teve bastante influência", disse Hoff.

"A gente teve, por exemplo, uma conferência, se não me engano, no ano passado, em Moscou, a conferência Rússia e África, em que a aliança e a diplomacia militar foram muito ressaltadas", destacou Alvarenga ao citar a Cúpula Rússia-África, que aconteceu em São Petersburgo em julho de 2023.

Ele também mencionou a empresa militar privada russa, o Grupo Wagner, que atua sobretudo no continente africano, cooperando tecnicamente, fornecendo material para esses Estados que acabaram de romper com a França.
Outro exemplo citado foi Burkina Faso, que tem aumentado a cooperação com a China para a construção de infraestruturas, produção, extração e produção de recursos minerais e naturais.
Alexandre Alvarenga destacou ainda a iniciativa continental para suprimir as dependências com a França das ex-colônias como o Níger, grande fornecedor de urânio para a França, Burkina Faso e Mali, que recentemente formaram a Aliança do Sahel.

"Esses países passaram a cooperar no que diz respeito à assistência mútua para o fornecimento de combustível, de eletricidade, desenvolvimento de infraestruturas de transporte, comércio regional, exploração de recursos naturais e, principalmente, uma grande demanda desses países, o desenvolvimento das suas agriculturas", elencou ele, ao salientar que não adianta ser independente formalmente se ainda existe dependência pós-colonial.

Nova Caledônia e os recentes protestos

Já em relação à Nova Caledônia, ainda colônia francesa, dita como território ultramarino, os movimentos de independência ocorrem desde a década de 1970, centrados principalmente nos povos originários, Kanaks, que representam 40% da população. Embora pequena, a ilha é bastante relevante do ponto de vista estratégico para a França, apontaram ambos os entrevistados. Além da base militar francesa, a Nova Caledônia possui a terceira maior reserva de níquel do mundo.

"Por um lado, você tem a França querendo manter determinado controle sobre essa ilha, que agora desponta com vasta reserva de níquel, ainda mais no mundo onde se fala muito sobre a produção de carros elétricos. E, do outro lado, você tem o povo da Caledônia, uma população nativa, que vem buscando a sua independência", pontuou Alvarenga.

A existência de uma elite nessas pequenas ilhas e nesses territórios, vinculada à economia e à política francesa, também dificulta a independência, afirmou o professor, para não perder determinados privilégios ou vantagens econômicas e comerciais, acrescentou.

"Acho que a gente tem ali um caso muito clássico que mostra um pouco da complexidade de você manter um território colonizado, como é o caso da Nova Caledônia, mas também das lutas de independência, porque esses laços econômicos e as estratégias utilizadas pelos países para colonizar esses estados muitas vezes dificultam os processos de independência", avaliou Hoff.

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Descolonização e violência andam juntas?

E, como ocorre nesse processo, as metrópoles relutam bastante em abrir mão dos ganhos com relação a riquezas, exploração de recursos naturais, mercados consumidores e mão de obra desses territórios.
A questão do franco, que dá à França controle sobre a política monetária desses países, foi outro ponto abordado pelos especialistas como forte restrição aos fluxos financeiros desses lugares que devem ser depositados no Banco Central da França.

"Então a gente vê essa ingerência muito grande da França nessas regiões, e, obviamente, isso vai facilitando a percepção tanto na população quanto no mesmo uso da insatisfação da população por outros grupos locais dessa ingerência externa", disse Hoff.

Com isso, para muitas dessas ex-colônias, a forma encontrada para se libertar do domínio colonial é a violência.
"O caso da Argélia é muito emblemático, com a utilização de insurgência e até técnicas de guerrilha urbana para tentar fomentar, acelerar o processo de independência. Então o uso da força se torna um recurso importante nesses contextos", ponderou Hoff.

"Você pode descolonizar por um processo um pouco mais pacífico, mas, em muitos casos, a força, a utilização da violência se aplica. Ela é, na verdade, a regra que a gente tem observado no mundo. Quando a gente fala também de independência, de soberania, a gente também está falando de controle de território, de deter o monopólio do uso da força, de defesa, de segurança da própria população civil, e isso passa pelo controle dos meios de coerção", acrescentou Alvarenga.

Ambos os entrevistados frisaram ainda que o processo de descolonização se dá também por meio do rompimento dos padrões de dominação formal, uma ideologia que constrói hierarquia racial, intelectual e cultural e que impõe a falsa superioridade do homem branco europeu sobre o não europeu.

"Você vai criando todo um sistema capaz de legitimar as violências que muitos povos sofrem e a posição que esses povos e que essas populações encontram dentro de um contexto [que] vai naturalizando essas violências", afirmou Hoff.

A dependência econômica, a perspectiva de inferioridade, o baixo grau de desenvolvimento técnico, científico e econômico são legados da colonização que ainda permanecem.

"O que ocorre na região do Sahel, com a população de alguns países apoiando golpes de Estado, justamente a partir de um discurso anticolonial, seria uma reação a essa violência perpetrada pelo Ocidente durante séculos", completou.

Alvarenga concluiu que embora quase todo território ultramarino tenha um movimento de independência, o desafio, segundo ele, é ter capacidade material de se estabelecer como Estado soberano.

"Isso passa por uma construção de instituições, de aparatos políticos, mas também por instituições de defesa, como Exército e Marinha. Isso tem um custo, isso não é fácil. A Guiana Francesa é um território ultramarino francês. Para alcançar a sua independência, ela vai precisar desenvolver algumas capacidades materiais para fazer valer esse interesse."

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