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A Guiana Francesa poderia florescer perfeitamente sem a França? Guianenses reivindicam autonomia

© Sputnik / Sergei Pyatakov / Acessar o banco de imagensMorador da cidade de Caiena, capital da Guiana Francesa, em uma cabine telefônica
Morador da cidade de Caiena, capital da Guiana Francesa, em uma cabine telefônica - Sputnik Brasil, 1920, 27.03.2024
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Considerada departamento ultramarino francês desde 1946, a Guiana Francesa tenta ressurgir, mais uma vez, em busca de autonomia e independência. O passo recente mais significativo se materializa na eleição de um membro do MDES (Movimento para a Descolonização e a Emancipação Social) para a Assembleia Legislativa da França.
O clamor por autonomia e independência é evidente nos relatos do congressista guianense no Legislativo francês, Jean-Victor Castor, eleito para o cargo em 2022. Castor, um dos criadores do partido separatista MDES, fundado na primeira metade dos anos 1990, afirma que "a Guiana [Francesa] tem todos os recursos para ser autônoma e depois independente".
A tentativa de implantar um assimilacionismo (teoria que defende a fusão de culturas diferentes), ao imputar leis francesas em um território a cerca de 7 mil quilômetros de distância e em outro continente, é reconhecida pelo deputado guianense como uma "assimilação colonial". Ou seja, uma manobra com o intuito de fazer com que a população esquecesse sua realidade geográfica, a fim de acreditar que pertencia à França.

"Dizer que a Guiana é francesa e europeia é uma ficção jurídica. A Guiana [Francesa] é amazônica e sul-americana", enfatiza.

Segundo Castor, a "doutrina da França ainda é colonial" e o status atual — entre França e Guiana Francesa — é insustentável. "O método francês de gestão colonial da Guiana é anacrônico e inadequado", comenta.
O que o congressista defende é que haja autonomia nas decisões tomadas para a gestão do território, uma vez que o modo como a França coordena a situação atualmente atrapalha os interesses dos próprios guianenses. "Embora tenha todo o potencial para se desenvolver, a Guiana está se tornando mais pobre."
Como exemplo da não funcionalidade da importação de leis francesas para o território da Guiana Francesa, Castor aponta regras que são determinantes para frustrar a economia endógena do território, sobretudo no setor primário — além de o governo francês ser dono de mais de 90% das terras, segundo ele.
"A França quer aplicar na Guiana leis feitas para a França, não para a Guiana. Não pode funcionar e não funciona. Imagine que não temos o direito de comprar e usar produtos inseticidas do Brasil porque eles não atendem aos padrões franceses, embora os insetos sejam de fato amazônicos! Imagine que temos que importar madeira da França porque as nossas não são padronizadas pela França! As aberrações são numerosas. Somos limitados por regras que não fazem sentido para nós", explica o deputado em conversa com a Sputnik Brasil.
Iuri Cavlak, professor de teoria da história da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista nas Guianas, percebe que os autonomistas são mais fortes numericamente e têm mais poder político que os independentistas, embora o tema "independência" jamais tenha desaparecido do radar.
Segundo ele, basicamente os autonomistas "reivindicam maior participação nas decisões de Paris e mais investimentos estatais, além de maior autonomia em questões econômicas e de política externa com a vizinhança". Entretanto ele considera que "com a Base Espacial Europeia gerando milhares de euros, acho difícil a França permitir a escalada de um processo independentista, mesmo em um cenário de agravamento de crise".
Em relação ao desenvolvimento da região, Cavlak cita a reprodução desigual e combinada do capitalismo, bem como a carência da Guiana Francesa em uma estrutura turística e um solo não facilmente manejável para a agricultura. Além disso, o pesquisador menciona a escolha da França, com o passar dos anos, como uma região de segurança, não de povoamento.
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Qual a relação atual dos guianenses com a França?

Antes de estudar na França, o psiquiatra martinicano Frantz Fanon conta em seu livro "Pele Negra, Máscaras Brancas", publicado no começo dos anos 1950, que na ilha do Caribe a população se considerava francesa. Afinal Fanon não era oriundo das colônias da África como os malgaxes ou os senegaleses, embora fosse negro. Todas as previsões caem por terra quando o autor passa a vivenciar o racismo no país europeu e escreve o livro.
Assim como na Martinica contada por Fanon, Daniel King, militante cultural do rio Oiapoque e morador da cidade de Saint-Georges-de-l'Oyapock, afirma que "os velhos guianenses se acham mais franceses que os jovens". Estes, por sua vez, "se identificam como guianenses, com uma bandeira. A população é jovem e desempregada", pontua, evidenciando uma diferença entre as relações das gerações na Guiana Francesa com a França. King inclusive destaca o racismo na França e diz que não é uma questão de nacionalidade.
Castor considera que "o passaporte europeu é uma ilusão que isola o povo guianense do seu ambiente regional". Ele ressalta ainda que para a França a imagem da Guiana Francesa é "a do inferno verde e da colônia penal", preconceitos que ainda reverberam. Entretanto o deputado diz que o Estado francês "conhece muito bem todo o potencial da Guiana, razão pela qual não quer que tenhamos mais autonomia", acrescenta.
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Independência seria a solução?

Quando perguntado sobre a independência, King é enfático ao dizer que "a independência é a solução". Para ele, a região não se desenvolve por "responsabilidade da França, o colonizador".
A independência em si é vista como algo talvez um pouco mais distante por Castor, embora ele acredite que ela possa se tornar realidade. Mas o foco da exigência de agora é a autonomia. "A Guiana poderia florescer perfeitamente sem a França."
King descreve a Guiana "como um país rico" e confia que a independência virá. "A história mostra que isso não pode ser para sempre", diz, sobre a atual situação da Guiana Francesa.

Na avaliação de Cavlak, a Guiana Francesa, no caso de uma independência "no formato clássico de um país que se torna soberano, nos marcos da economia de mercado, em pleno mundo do século XXI de guerras, imperialismo e competição internacional selvagem, não teria a menor chance de prosperar."

Por outro lado, "uma independência com socialização dos meios de produção, soberania popular e sobretudo união com os países do entorno poderia dar certo", considera o professor da Unifesp.
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