Crescem os 'rios de ferro' até o México: armas saem de forma ilegal dos EUA para o vizinho ao sul
20:02, 11 de setembro 2024
As armas norte-americanas são transportadas de forma ilícita dos Estados Unidos até o México como um verdadeiro "rio de ferro", desde as sedes das empresas fabricantes, passando pelos armazéns e pela fronteira compartilhada, até chegarem às mãos de grupos criminosos que geram violência e morte no país latino-americano.
SputnikUm estudo recente da ONG
Stop US Arms to Mexico obteve dados inéditos sobre as origens das armas traficadas e exportadas para o México e para a América Central a partir do
solo norte-americano.
A organização afirma que a violência armada no México cresceu graças a dois acontecimentos ocorridos anos atrás: o fim da proibição federal de armas de assalto nos Estados Unidos em 2004 e a declaração em 2007 da guerra às drogas no México, segundo o relatório intitulado "O rio de ferro de armas para o México: suas fontes e conteúdo".
Sobre o número de
armas de fogo traficadas dos Estados Unidos para o México, o relatório, elaborado entre 2010 e 2012, estimou que
253 mil armas por ano são compradas nos Estados Unidos com a intenção de contrabando para o território mexicano. No entanto, aponta a ONG, em 2022 a produção e importação de armas de fogo nos Estados Unidos duplicou, o que significa que o número atual pode ser muito superior.
Segundo dados do Escritório de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos (ATF, na sigla em inglês) obtidos pela Stop US Arms to Mexico, a cada ano são recuperadas cerca de 20 mil armas no México, que são enviadas ao ATF para rastrear suas origens.
Os mesmos dados revelam que
o número de armas recuperadas pelo México aumentou 45% entre 2015 e 2022, passando de 18.063 para 26.433. Durante o mesmo intervalo de oito anos, o país latino-americano recuperou e enviou às
autoridades norte-americanas um total de 158.289 armas.
"Se os dados forem verdadeiros, a situação é alarmante, mas ao mesmo tempo corresponderia a um crescente processo de militarização do Estado mexicano", disse em entrevista à Sputnik Sandra Kanety, acadêmica do Centro de Relações Internacionais da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e criadora do projeto de pesquisa "Ressonâncias da militarização na segurança humana no século XXI".
O número de recuperações registradas pelo México contrasta com o dos Estados Unidos, pois enquanto o México recupera uma média de 20 mil armas por ano, funcionários da Segurança Nacional destacaram recentemente um aumento do número de armas destinadas ao México que foram apreendidas no ano fiscal de 2023, chegando a 1.392.
O contraste entre a quantidade de armas recuperadas pela nação latino-americana e a de seu vizinho é abissal, já que Washington não recupera nem 10% do que o governo mexicano consegue, o que demonstra haver falta de interesse por parte das autoridades norte-americanas.
"A verdade é que teria que ser feito um esforço conjunto do mais alto nível [para acabar com o tráfico de armas], isto é, a partir do nível governamental dos Estados Unidos e do México. O problema aqui é que o governo dos EUA não tem o interesse nem vontade política para acabar com o tráfico de armas para o México", acrescenta Kanety.
Os dados do ATF identificaram cerca de 925 fabricantes de armas traficadas para o país latino-americano. "Mas, de longe, as armas recuperadas com mais frequência no México são fabricadas por quatro empresas que o México está processando em um tribunal dos EUA por negligência com o tráfico para o México: Smith & Wesson, Colt, Glock e Beretta", revela o estudo.
A Smith & Wesson foi o fabricante com o maior número de armas recuperadas no México durante 2022, com 2.243. As pistolas foram as armas mais confiscadas no referido ano, um total de 13.546 unidades, seguidas de fuzis, com 8.173 apreensões.
Governo mexicano segue comprando dos EUA
Embora o
governo mexicano tenha apresentado recentemente uma ação judicial contra os fabricantes de armas norte-americanos perante um tribunal dos EUA por negligência, continua comprando armas de fabricantes do vizinho para equipar as suas Forças Armadas. Essas compras têm, inclusive, aumentado.
"As agências policiais do México estão comprando legalmente dos Estados Unidos. Como é possível você dizer que eles negligenciam o tráfico de armas e você mesmo comprar deles?", questiona Montserrat Martínez Téllez, especialista independente e membro do Fórum sobre o Comércio de Armas.
Na América Latina, o México é, de longe, o maior importador de armas de fogo dos Estados Unidos, revela o relatório da Stop US Arms to Mexico. Em abril de 2020, a Secretaria de Defesa Nacional importou 51.097 pistolas Sig Sauer para uso da então nova Guarda Nacional, ao custo de US$ 18,6 milhões (R$ 105,44 milhões), o que representou o maior envio de armas de fogo ao México já registrado, e o maior envio de pistolas dos EUA a qualquer país latino-americano desde 2002.
Até 2023, acrescenta o estudo,
os EUA exportaram 12.515 rifles militares para o México — mais do que para a Ucrânia e apenas menos do que
para Israel —, bem como 6.686 metralhadoras, tudo a um custo superior a US$ 27 milhões (R$ 153,06 milhões). Em março deste ano, o México comprou mais de 14 mil rifles militares do seu vizinho do norte, mais do que todo o resto do mundo durante esse mês.
"A compra de armas dos Estados Unidos pelo governo do México aumentou, mas o México poderia deixar de adquirir essas armas dos Estados Unidos para fazê-lo com outros países, e essa compra não deixaria de abastecer as forças policiais. […] poderia haver uma advertência ou um alerta, como 'Até que você resolva essa situação [tráfico ilegal de armas], não vou comprar de você'", critica Martínez Téllez.
Existe alguma possibilidade de solução?
Uma possível solução para o tráfico ilegal de armas depende em grande parte da vontade do governo dos Estados Unidos de regulamentar ainda mais a compra e a venda de armas, e de um maior envolvimento dos fabricantes no assunto.
"A dinâmica que se esperaria é que não apenas os Estados Unidos, como país, regulem federalmente a questão da compra e venda de armas de fogo, mas que também as empresas privadas se envolvam", destacou Martínez Téllez.
No que diz respeito ao trabalho do governo mexicano, a especialista da UNAM reconhece o valor da ação judicial que as autoridades mexicanas impuseram contra alguns fabricantes pelo tráfico de seus produtos para o México e pela violência que geram.
"
É uma estratégia sem precedentes, e tem sido muito importante, porque de alguma forma ajuda a tornar visível de onde vêm essas armas, nomeia as corporações ou empresas que vendem essas armas. De alguma forma, também coloca em evidência o enorme
tráfico ilegal de armas dos Estados Unidos para o México e nos permite compreender as causas da militarização e da violência no México", conclui Kanety.
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