Panorama internacional

Arsenal de segurança israelense sob suspeita após explosão dos pagers? 'Sem dúvida', opina analista

Ainda que não tenha assumido a autoria da sabotagem contra pagers utilizados por membros do Hezbollah, atribui-se a Israel a responsabilidade até mesmo pela mídia de seu próprio país. Grande exportador de armamentos e softwares militares, deveriam os países ficar preocupados com possíveis falhas em suas aquisições israelenses?
Sputnik
Há cerca de uma semana, centenas de explosões de dispositivos eletrônicos no Líbano chocaram o mundo. A sabotagem focou principalmente pagers e walkie-talkies utilizados pelo movimento xiita libanês Hezbollah, com quem Israel já guerreou e cujos embates foram intensificados com a invasão de Gaza pelas Forças de Defesa de Israel (FDI).
Embora Tel Aviv tenha negado o envolvimento no episódio, analistas, políticos e a mídia internacional apontam o dedo para a agência de inteligência externa do país, Mossad.
À luz desse ato, suspeitas foram levantadas sobre a inocuidade das exportações de ferramentas militares israelenses. O país é um dos grandes desenvolvedores de produtos de segurança, como armamentos, tecnologias e serviços.
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À Sputnik Brasil, o doutor em história, professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (Gedes), da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Leandro Gonçalves destaca que "sem dúvida" a ocorrência levanta dúvidas sobre a integridade das tecnologias provenientes de Israel, em especial softwares e hardwares.
Nesse caso, o historiador lembra que forças de segurança e defesa brasileiras, como as Forças Armadas e a Polícia Federal, são clientes dessas tecnologias israelenses, como o Cellbrite Premium, de recuperação de dados, e o First Mile, de monitoramento, além de drones de vigilância e combate.

"Fica a dúvida, agora, se as informações obtidas por meio desses equipamentos seriam acessadas exclusivamente pelos responsáveis pela segurança pública e defesa nacional."

Entre Brasil e Israel pesam ainda os recentes conflitos diplomáticos causados pela incursão do país na Faixa de Gaza após os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023. O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, se opôs veemente ao conflito militar e o comparou a um genocídio.
Devido às falas de Lula, o ministro das Relações Exteriores israelense, Israel Katz, humilhou publicamente o embaixador brasileiro, Frederico Meyer, o que amargou ainda mais a relação entre os dois países. Ainda que não tenha encerrado a diplomacia com Tel Aviv, o Brasil tirou seu representante do país e até agora não enviou um substituto.
Enquanto isso transcorria, o Exército Brasileiro finalizou seu edital para a compra de 36 viaturas blindadas de combate com obuseiro autopropulsado de 155 mm sobre rodas. O modelo escolhido foi o Atmos, da israelense Elbit Systems, o que contrariou as críticas do governo federal à nação judaica.
A transação foi paralisada a pedidos do assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Celso Amorim, que destacou as incongruências da compra.

"A Elbit, como outras gigantes israelenses do setor de defesa, é alvo de boicotes em diversos países, e algum eventual benefício que essa 'parceria' renderia ao Brasil, como transferência de tecnologia, poderia desfazer-se por motivações político-diplomáticas", afirma Gonçalves.

Produção nacional é a solução?

À reportagem, José Augusto Zague, pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e do Gedes, aponta que a questão da insegurança ao adquirir produtos israelenses suscita uma preocupação ainda maior: "A dependência dos países em desenvolvimento na aquisição de armamentos dos países desenvolvidos".
Segundo o pesquisador, hoje há um modelo de difusão da tecnologia militar no qual há uma "pulverização das cadeias produtivas". Isto é, as centenas de partes, componentes e sistemas são produzidos por diferentes empresas em países distintos, "mas principalmente nos membros da OTAN", afirma.
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Dessa forma, a venda de equipamentos de um país para outro pode vir atrelada a restrições, seja por parte dos fabricantes, seja por parte de um fornecedor específico, e até mesmo ser embargada.
Há inúmeros casos desse tipo, desde a venda de Super Tucanos brasileiros à Venezuela ao embargo alemão do blindado Guarani para as Filipinas.
Outro exemplo lembrado pelos analistas foi o que aconteceu com a Argentina, que tentou comprar cinco aeronaves Dassault Super Étendard Modernisé, de fabricação francesa, em 2019. O modelo já era operado pela Armada Argentina, mostrando-se altamente eficiente quando afundou o destroyer inglês HMS Sheffield.

"Contudo, a compra de 2019 foi frustrada pelo fato de o fabricante dos assentos ejetores dos aviões ser a empresa inglesa Martin Baker, que não aprovou o fornecimento em virtude da disputa inglesa com os argentinos em torno das Ilhas Malvinas", lembra Gonçalves.

Para Zague, esse aspecto geopolítico de dependência tecnológica é ainda mais preocupante do que uma possível sabotagem a armamentos. A solução, o desenvolvimento autóctone de tecnologias, contudo, está longe. E a compra dos obuseiros só ressalta isso.
Ter uma Base Industrial de Defesa (BID) sólida é essencial no mundo contemporâneo. Esse aspecto é visto de maneira clara no conflito ucraniano, no qual a Rússia demonstra uma forte capacidade de prosseguir sua operação especial graças a seu poderoso parque industrial bélico, dependendo de fornecedores estrangeiros em poucos casos. O mesmo não pode ser dito do outro lado.
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No entanto, a busca pela autonomia não foi inserida no desenho da BID brasileira, ressalta Zague. Pelo contrário, ela foi projetada para evidenciar o alinhamento geopolítico do Brasil, no caso um alinhamento aos poderes hegemônicos ocidentais.
E é isso que está sendo feito com a compra dos obuseiros. Para ambos os analistas, não há justificativa para a compra das viaturas, uma vez que não há vulnerabilidades que a justifique, e tampouco haverá algum benefício tecnológico para o país.

"Ao adquirir os obuseiros, é preciso haver uma justificativa de para que será adquirido, contra o que poderá ser utilizado, porque senão não faz sentido", diz Zague.

De acordo com Gonçalves, há o argumento da modernização tecnológica das forças. Entretanto "tal percepção é superficial, uma vez que não agrega tecnologia ao parque industrial local e, ainda, reforça uma dependência exterior que pode se mostrar complicada diplomaticamente".
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