Panorama internacional

Análise: crise na Alemanha e eleição de Trump deixam pouco espaço para Ucrânia alongar conflito

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que a situação da Ucrânia se tornou mais precarizada diante do cenário político atual e "já se vê espaços e discussões sobre como organizar um diálogo para negociações de paz".
Sputnik
A semana passada foi uma das mais críticas para o ucraniano Vladimir Zelensky. Em apenas sete dias, ele assistiu os dois principais financiadores de Kiev no confronto com a Rússia vivenciarem mudanças bruscas.
Nos Estados Unidos, Donald Trump foi eleito presidente com a promessa de encerrar o quanto antes o conflito ucraniano. Na Alemanha, maior economia da União Europeia (UE) e segundo principal financiador da Ucrânia, o chanceler Olaf Scholz vive uma crise política que levou ao colapso a coalizão de seu governo.
Em paralelo, no início da semana passada, a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, visitou a Ucrânia para pressionar autoridades do país a negociarem a paz com a Rússia. A visita se deu dois meses após Scholz defender que as negociações para o fim do conflito deveriam ser implementadas "o mais rápido possível".
Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas avaliam como a perda de apoio de seus principais financiadores afeta a Ucrânia e quais são as perspectivas para os rumos do conflito.
João Victor Motta, doutorando e mestre em relações internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, frisa que a Ucrânia "depende profundamente dos recursos da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte] para manter sua estratégia de defesa e garantir suas ações contra o território russo, em especial dos EUA e da Alemanha".

"O custo financeiro desse apoio tem sido profundamente criticado pelas sociedades de ambos os países. Com a recente eleição de Trump, as reiteradas falas expressando a vontade de dar fim ao conflito e a profunda crise política e de popularidade que vive o governo Scholz, restam poucos movimentos da parte ucraniana para alongar o conflito."

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Ele acrescenta que Zelensky terá de recorrer a uma mudança de postura para que não seja impactado pelas mudanças no cenário interno dos EUA e da Alemanha e pela crescente atenção dada "à escalada de ataques de Israel no Oriente Médio e ao genocídio contra o povo palestino".
"A cada momento que avança o conflito, nota-se o crescente isolamento de Zelensky, que depende de raras aparições em fóruns multilaterais e falas com ataques a líderes que defendem uma posição moderada frente ao conflito. Com as mudanças políticas internas na Europa e Estados Unidos, o cenário ucraniano passa a depender mais do diálogo e das mediações que foram tentadas e recusadas por Zelensky."
Questionado sobre se as condições atuais fortalecem as bases para negociações de paz, Motta avalia ser "impreciso cravar uma chance de encerramento do conflito, mas as condições materiais apontam para isso".

"Neste momento, com a proximidade do inverno europeu, os impactos internos sobre os países que apoiam Zelensky cresceram, com uma piora das condições de vida da população europeia pelos crescentes gastos com energia, o que pode gerar pressões para que a Ucrânia inicie negociações de paz por parte da sociedade civil e governos dos países da Europa."

Pérsio Glória de Paula, especialista do Núcleo de Avaliação da Conjuntura (NAC), da Escola de Guerra Naval (EGN), observa que o cenário atual de fato é muito incerto, mas pontua que já havia anteriormente "sinais de uma certa diminuição da quantidade de apoio ocidental dado à Ucrânia".
"Talvez em vista também da deterioração das condições ucranianas, não se vislumbra uma possibilidade de vitória [ucraniana] no curto prazo, então há talvez um interesse cada vez maior por parte do Ocidente em resolver o conflito para que os custos associados à manutenção desse conflito não aumentem", afirma.
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Entretanto, ele afirma ser importante avaliar que dentro dos próprios EUA ainda há uma parcela significativa das elites, de certos grupos de pressão, que apoia a continuidade do conflito, e mesmo o aumento do envio de ajuda financeira e militar à Ucrânia, inclusive dentro do Partido Republicano. Nesse contexto, mesmo Trump assumindo uma postura de resolução do conflito, essa é uma questão que ele teria primeiro de resolver internamente.

"Então talvez seja um pouco precipitado acreditar que esse apoio [à Ucrânia] vai acabar da noite para o dia, porque me parece que já é um apoio inserido nas estruturas de poder dos EUA, em que é difícil dizer se o próprio presidente [eleito] Trump vai conseguir acabar com isso da noite para o dia."

O especialista afirma que "isolamento" talvez não seja o termo mais adequado para definir a situação de Zelensky, mas ressalta que de fato "a situação ucraniana está mais precarizada", devido ao cenário interno dos países ocidentais, com Alemanha em crise e o resultado das eleições presidenciais nos EUA, fora outros países que têm "problemas econômicos e sociais diante dos quais o apoio à Ucrânia se torna cada vez mais custoso".
Diante disso, ele afirma que é possível que ocorra uma mudança no perfil de atuação internacional da Ucrânia, que nos últimos anos teve um alto nível de ativismo político, conseguindo se inserir "em diversos fóruns, eventos, inclusive organizações internacionais, para promover os interesses dela, a pauta do conflito ucraniano".
"Inclusive Zelensky chegou a solicitar participação em uma reunião do Mercosul para passar uma mensagem, que foi recusada. […] me parece que isso, sim, pode ser diminuído com esse novo cenário. A gente pode esperar uma ação mais reduzida da Ucrânia no cenário internacional", afirma.
Ele conclui afirmando que embora no curto prazo ainda seja esperada uma inércia na questão, com a manutenção do apoio ocidental em princípio, por outro lado já se vê espaços e discussões sobre como organizar um diálogo para negociações de paz.

"E os próprios países ocidentais têm, sim, a capacidade de pressionar a Ucrânia para sentar e negociar, até porque a Ucrânia é, evidentemente, dependente do apoio desses países para manter o esforço de guerra. E também, na atual situação dela, ela depende de um certo amparo internacional para poder negociar com a Rússia de uma forma menos desvantajosa", conclui o especialista.

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