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Contexto de polarização no país impede prisão imediata de Bolsonaro, opina analista

Embora não seja a primeira vez que o ex-presidente Jair Bolsonaro é indiciado criminalmente pela Polícia Federal (PF), o último inquérito, que veio a público na quinta-feira (21) e o acusa de participar de tentativas de golpe de Estado e de assassinato de autoridades, trouxe novas e preocupantes implicações para ele e seus aliados políticos.
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Indiciado anteriormente por suspeita de falsificação da carteira de vacinação da COVID-19 e de recebimento ilegal de joias sauditas, Bolsonaro agora, ao lado de dezenas de militares e políticos, pode responder pelo crime de ter orquestrado o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Para esclarecer as implicações do indiciamento e possíveis impactos na conjuntura política brasileira, a Sputnik Brasil ouviu Acacio Miranda da Silva Filho, doutor em direito constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) de Brasília e mestre em direito penal internacional pela Universidade de Granada, na Espanha; e Luciana Santana, doutora em ciência política e professora na Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
A primeira pergunta feita aos entrevistados do podcast Jabuticaba Sem Caroço foi se Bolsonaro pode ser preso a qualquer momento. Para Silva Filho, as chances de uma prisão decretada agora, ou seja, uma prisão preventiva, são nulas.

"Primeiro porque essa prisão depende do preenchimento de vários requisitos legais, e não é tão fácil o preenchimento desses requisitos. Em segundo lugar, nós sabemos que ele é um agente político, ele é um personagem político. A gente vive uma polarização no nosso país, e ele representa metade da polarização do país. Então uma prisão processual neste momento, sem muito substrato, daria margem a inúmeros questionamentos e daria margem a nós esquentarmos ainda mais a situação política do país", ponderou o pesquisador, ao opinar que o Judiciário não quer esse desgaste.

Entretanto ambos os entrevistados salientaram que o inquérito da PF é bastante robusto, com quase 800 páginas de provas, elementos de autoria e materialidade, que teve impacto negativo para a direita bolsonarista e pode acarretar a prisão dos envolvidos futuramente.

"Há elementos fortes, até por ele ser ex-presidente, e considerando também que a gente já teve uma prisão de um ex-presidente em 2018, com certeza houve um cuidado muito maior, inclusive pensando em potenciais danos caso, por exemplo, fosse decretada uma prisão de um ex-presidente. Então para [isso] vir a público, para ser incluído de forma pública, não apenas ele, mas vários nomes ligados diretamente ao presidente, é porque há indícios, há evidências fortes que levaram a esse resultado", disse a cientista política.

Para isso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve acatar o inquérito e enviá-lo ao STF, que então decidirá se aceita ou não a denúncia. Nesse sentido, o analista disse achar pouco provável que o julgamento termine antes das eleições de 2026.

"Serão reanalisadas todas as provas, serão ouvidas todas as testemunhas, serão interrogados todos os acusados, para que aí o Supremo determine de forma colegiada, porque é um órgão colegiado, se eles são inocentes ou culpados", disse o especialista em direito constitucional, ao explicar que esse processo é demorado.

Silva Filho destacou que várias personalidades, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), não saíram em defesa do ex-presidente após a divulgação do inquérito, diferentemente de outros momentos.

"Acho que esse desgaste, inclusive jurídico, dele [Bolsonaro] já está posto", declarou, ao cogitar que o atentado contra o STF com bombas de fabricação caseira, que culminou no suicídio do autor, acelerou a divulgação do inquérito. "Aquilo [o atentado] trouxe, sim, um temor de que circunstâncias como essa acabassem escalando, acabassem ganhando força", disse.

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Luciana Santana também citou o episódio das explosões e morte em Brasília como um fator danoso do ponto de vista eleitoral para bolsonaristas, que, somado ao inquérito atual, fez várias lideranças recuarem da manutenção do projeto de anistia aos participantes do 8 de Janeiro, que tramita no Congresso, ou de outras sinalizações em defesa do presidente.
A especialista acrescentou que as últimas denúncias azedaram as expectativas otimistas da direita bolsonarista, que haviam sido fortalecidas com a eleição presidencial norte-americana, que deu vitória a Donald Trump.
Os últimos acontecimentos, ponderou, podem tornar as eleições de 2026 menos radicalizada, refletiu ela:

"Vejo que a gente pode retomar uma situação que a gente tinha até 2014, uma disputa polarizada em termos de projetos e em termos de partido. Então a gente deve retomar, diferentemente do que aconteceu a partir de 2018, quando houve uma personalização das disputas nacionais e [a eleição ficou] muito mais radicalizada pelo próprio discurso, pelas novas pautas que entraram no debate, principalmente de questões de valores e muito menos de projeto de Estado do Brasil."

Afinal, declarar plano de matar é crime?

"Um crime é dividido em quatro fases. Quais são as fases do crime? Cogitação, preparação, execução e consumação", explicou Silva Filho.

"O pensar em matar alguém está inserido nesta tal cogitação. E a cogitação, a rigor, ela não é responsabilizada. Mas esse matar aí, que a gente está discutindo nesse caso, ele é um matar que não é um homicídio puro e simples […]. Esse matar é uma etapa para um eventual golpe de Estado, para uma eventual extirpação dos poderes constituídos, do Estado Democrático de Direito."

Segundo ele, no momento em que se conjectura matar alguém para dar um golpe de Estado, a rigor essa conjectura já é uma tentativa de golpe de Estado.
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