Panorama internacional

'Decadência ocidental' e relevância da América Latina despontam em 1ª coletiva do MRE russo em 2025

O balanço anual do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, feito nesta terça-feira (14), evidenciou ainda mais o peso e a relevância que a América Latina tem para a política externa russa. Ele chamou a região de um dos principais polos da ordem mundial multipolar emergente.
Sputnik
Ao observar a primeira coletiva de imprensa de 2025 da chancelaria russa, o analista Ricardo Cabral, editor do portal História Militar em Debate, avaliou que o discurso de Lavrov tocou em pontos essenciais e na ferida do Ocidente.
Segundo Cabral, a política segregadora e intromissiva das potências ocidentais nos demais países, destacada pelo ministro, é sinal de desespero.

"Há uma decadência. Ela pode ser até relativa em vários aspectos, mas se trata de uma decadência do Ocidente, perdendo espaço para países como a China, como a Rússia, a Índia, e a reação tem sido usar posições militares, coerção, intimidação, para conseguir benefícios econômicos, mudanças de postura política […]. E isso está acontecendo para desespero deles, eles não têm muito a oferecer."

Ele citou as intervenções no Cáucaso e na África como tentativas "desesperadas" do Ocidente de manter o poder e a exploração barata de recursos naturais e humanos. "O processo de emancipação das colônias europeias não foi acompanhado por emancipação econômica. A própria dependência se sustentou inclusive durante a Guerra Fria", exemplificou ele.
O desespero do Ocidente, acrescentou, tem impulsionado ainda operações psicológicas, visando desestabilizar Estados, criar fraturas na sociedade e explorar fraquezas, limitações e antagonismos.

"O famoso dividir para conquistar. Essa tem sido a lógica das potências ocidentais. Posso dizer isso sem errar muito, porque o historiador, quando tenta precisar no tempo, às vezes erra. […] isso tem mais ou menos 20 anos, e nos últimos cinco anos elas ficaram muito mais agressivas, porque o crescimento desses Estados tem incomodado realmente esse Ocidente profundo que são a Europa e os Estados Unidos."

As tentativas de sabotagem dos gasodutos russos, também mencionadas por Lavrov, são outro sintoma desse desespero do Ocidente, que o entrevistado tachou de "atentados terorristas".

"Eles não querem se passar como terroristas, quando na verdade utilizam dessas táticas para obter extorsão, coerção, intimidação, chantagem, que é o uso comum quando você usa esse tipo de instrumento."

Para o historiador, a Europa deu um "tiro no pé" ao compactuar com a estratégia norte-americana de impor sanções a países como a Rússia, ao perder acesso a recursos energéticos de baixo custo e manter uma dependência maior em termos tecnológicos.

"Eles [Europa] estão entrando em recessão por causa de sanções e políticas propostas pelos Estados Unidos, contrárias aos seus interesses e que beneficiam os Estados Unidos na sua competição pelos mercados globais", disse ele. "As sanções […] [são] guerra econômica pura, uma outra face da guerra que os Estados Unidos estão travando com os países concorrentes para manutenção da sua hegemonia."

Trump e Rússia

Ao comentar as declarações de Lavrov sobre as relações da Rússia com o futuro presidente dos EUA, Donald Trump, o historiador afirmou que ainda é cedo para prever as ações de Trump, apesar dos sinais deixados por suas recentes declarações de que seu governo será mais intervencionista.
"Pode não ser sobre o aspecto militar, mas que ele vai ser mais assertivo nas relações internacionais, naquilo que ele considera interesse norte-americano, não tenho dúvida. E as propostas para a Ucrânia deverão considerar muito mais os interesses americanos e russos em relação à Ucrânia do que os interesses ucranianos nessa história", opinou.
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Rússia e Brasil

Para Cabral, o apoio da Rússia ao Brasil não é mero simbolismo e isso ficou claro em uma das falas de Lavrov, quando voltou a defender a participação permanente do Brasil e da Índia no Conselho de Segurança das Nações Unidas, além de um assento permanente africano.

"Nem a China se manifesta tão incisivamente — é que não é a primeira manifestação da Rússia a favor do Brasil e da Índia para um assento no Conselho de Segurança, até porque os Estados Unidos começam o jogo com 3 a 0; a França e o Reino Unido normalmente votam em conjunto com os americanos. E há uma relação de poder que já está amplamente ultrapassada", completou Cabral.

Além do apoio político, o analista destacou vários outros benefícios que a parceria estratégica com a Rússia pode trazer para os países do Sul Global, como em transferência de tecnologia, exploração de metais, produção de alimentos e segurança, entre outros.

"Deveríamos ter uma mente mais aberta, ver melhor a situação russa, até porque o equipamento é tecnologicamente competitivo em relação ao Ocidente, com uma relação custo-benefício muito menor. Então nós deveríamos estar mais atentos às possibilidades de cooperação técnico-científica com a Rússia. […] isso aí não é uma questão ideológica, eu acho que é uma questão de preconceito mesmo. Passa governo, seja ele um governo mais progressista ou mais conservador, e as relações com a Rússia ficam sempre em segundo plano. Tem uma explicação lógica."

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