A proibição do uso de celulares dentro de quartéis da Marinha do Brasil vem causando polêmica entre militares da força. A determinação foi dada pelo Almirantado e divulgada por meio de comunicado enviado pela Diretoria de Comunicações e Tecnologia da Informação da Marinha.
A ordem bane a entrada de dispositivos como celulares, tablets e câmeras nos quartéis. Entre militares da força, a ordem ganhou repercussão também pelo fato de que grande parte da comunicação e das informações de trabalho circulam por meio do WhatsApp, aplicativo da empresa estadunidense Meta (atividades proibidas na Rússia por serem consideradas extremistas).
Ademais, para alguns há o argumento de que, sem uma corregedoria e temendo punições ao fazer denúncias internamente, muitos militares recorrem ao registro de imagens para denunciar problemas e buscar melhorias nas condições de trabalho.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que a postura do Almirantado está de acordo com uma tendência global de proteção da força.
Robinson Farinazzo, especialista militar e oficial da reserva da
Marinha do Brasil, explica que
o comando da Marinha tem consciência de quais são as necessidades e fragilidades da força em relação à segurança.
Ele frisa que a questão não envolve apenas o Brasil, mas também as Forças Armadas de outros países, e cita um episódio ocorrido em 2018, nos EUA, quando informações sensíveis sobre a localização, a equipe de bases militares e os postos de espionagem secretos do país foram divulgados inadvertidamente por militares em serviço que faziam uso do Strava — aplicativo de exercícios físicos que permite que usuários registrem e compartilhem seus treinos e que usa o GPS para criar um mapa das atividades.
Recentemente, o uso do mesmo aplicativo por militares da Marinha francesa resultou na divulgação de informações sigilosas sobre localização e programação da base de Brest, na região da Bretanha, onde fica o mais crítico componente naval de dissuasão nuclear da França: os quatro
"barcos pretos", como são chamados os
submarinos de mísseis balísticos de propulsão nuclear da França.
O especialista acrescenta que é preciso lembrar que
"o trabalho militar é um trabalho bastante sensível", com
circulação de informações estratégicas que não podem sair do âmbito da força.
"Então é legítimo haver muita preocupação exatamente nesse sentido. A gente precisa lembrar que não são só os militares brasileiros que estão preocupados com isso."
Farinazzo destaca que as Forças Armadas do Brasil precisam ter "um serviço de mensagem instantânea, encriptado, com tecnologia de ponta, que seja o máximo possível refratário à decodificação".
Pedro Paulo Rezende, especialista em assuntos militares, destaca que a Marinha está apenas seguindo uma tendência mundial, uma vez que o uso de celulares dentro de unidades militares é restrito na maioria dos países.
Ele explica que a questão teve início quando um caça dos EUA fez um pouso de emergência por problemas de combustível na base de São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro. A imagem do pouso foi registrada e chegou até o celular de um capitão de fragata da Marinha do Brasil.
"A imagem não deveria ser divulgada dessa forma, então surgiu esse problema que a Marinha resolveu enfrentar de maneira radical", explica.
Segundo Rezende, o argumento sobre celulares ajudarem no registro de possíveis irregularidades é bem questionável, uma vez que, dentro de uma organização militar, não é permitido mostrar dados que estão sob sigilo.
Ele acrescenta que o Brasil não tem uma tradição guerreira. A questão de segurança nas Forças Armadas é sempre deixada para segundo plano, mas considera que, no futuro, outras unidades militares, outras forças vão adotar medidas similares, que poderiam impedir casos de vazamento que causem controvérsia, como o ocorrido no ano passado.
"O Exército teve imagens de uma formatura divulgada e, na formatura, comemoraram com funk", afirma.