Panorama internacional

Análise: acordo entre Rússia e Irã mostra que 'uma nova arquitetura global está sendo criada'

O tratado de Parceria Estratégica Abrangente entre a Rússia e o Irã anunciado ontem (17) é um exemplo de progresso em direção à uma globalidade multipolar que equilibra as relações de poder no Oriente Médio, observam especialistas ouvidos pela Sputnik.
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"Essa reaproximação entre os líderes russo e iraniano pode fornecer um contrapeso às maneiras pelas quais a unipolaridade continua tentando se restabelecer", disse Imelda Ibáñez, especialista em política externa e história diplomática da Rússia na Universidade Estatal de São Petersburgo.

O acordo, anunciado após uma reunião em Moscou entre o presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente iraniano, Masud Pezeshkian, estabelece metas e referências ambiciosas para aprofundar a cooperação bilateral de longo prazo em política, segurança, comércio, investimento e assuntos humanitários.
O tratado foi firmado três dias antes de Donald Trump assumir a presidência dos Estados Unidos e em um momento em que um acordo de cessar-fogo foi alcançado na Faixa de Gaza.
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Por dentro do tratado entre Rússia e Irã: o que é e por que é importante?

Elemento dissuasivo

Ibáñez acredita que ainda é cedo para avaliar a política externa do próximo presidente dos EUA em relação ao "desequilíbrio" do Oriente Médio.
De qualquer forma, ela ressalta que o novo acordo entre Moscou e Teerã visa justamente equilibrar a ambição de influência americana caso Washington decida fazer algo contra o Irã.
Eduardo Rosales, especialista em relações internacionais da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), observa que o acordo faz parte de um conflito geopolítico entre Estados Unidos, China e Rússia, já que o Irã "faz parte da esfera de influência da zona periférica da Rússia", enquanto "Israel é apenas mais um estado dos Estados Unidos".
"Isso faz parte da luta geopolítica em que a relação entre os Estados Unidos e Israel está se tornando cada vez mais clara e, consequentemente, a relação entre a Rússia e o Irã se torna cada vez mais próxima", disse o analista.
Segundo o especialista, não se deve esquecer que o Irã se juntou recentemente ao BRICS, o que "obviamente" fortaleceu Teerã em um contexto de tensões com Washington e Tel Aviv.
Ainda conforme Rosales, o tratado russo-iraniano envia uma mensagem aos Estados Unidos justamente para desencorajar e dissuadir Washington de tentar qualquer incursão armada contra o Irã.

"A mensagem é: 'Vamos respeitar uns aos outros, eu vou marcar meu território aqui, minha influência, vou marcar meus aliados, assim como vocês marcarão os seus.' É uma mensagem para pessoas como Marco Rubio [indicado por Trump para ser secretário de Estado dos EUA], assim como o próximo secretário de Defesa dos Estados Unidos", disse.

Para o professor César Soto Morales, pesquisador de relações internacionais da UNAM, a presença de Moscou na região do Oriente Médio sai fortalecida pelo acordo e é gerado um contrapeso que dará maior estabilidade para uma área caracterizada por conflitos de longa data.

Acordo traz equilíbrio para questão nuclear

Segundo especialistas ouvidos pela Sputnik, a cooperação nuclear entre as duas nações também proporciona um melhor equilíbrio entre as potências mundiais.

"É preciso levar em conta que Israel tem entre 200 e 400 armas nucleares e não permitiu e não permitirá que a Agência Internacional de Energia Atômica verifique suas instalações nucleares, que aparentemente são clandestinas", afirmou Rosales.

"Isso cria um profundo desequilíbrio na região, e é por isso que a Rússia apoia o Irã — que também está sujeito a sanções e bloqueios do Ocidente — para que ele possa continuar com seu projeto nuclear", acrescentou.
Para Soto, o acordo é uma medida para impedir que potências ocidentais continuem a assediar o Irã.
"Toda vez que a Rússia assina um tratado com um país do Oriente Médio, neste caso o Irã, ela impede a interferência de potências ocidentais na região", explica.
"A cooperação internacional e o multilateralismo estão sendo fortalecidos, e o unipolarismo dos Estados Unidos está sendo gradualmente minado", acrescentou o internacionalista.
O acordo prevê a construção de duas novas unidades da usina nuclear de Bushehr, que, segundo o presidente Putin, contribuirão "significativamente" para o fortalecimento da segurança energética do Irã.
Atualmente, o Irã tem uma usina nuclear em operação, a usina nuclear de Bushehr. Sua primeira unidade, concluída com assistência russa, foi conectada ao sistema nacional de energia em setembro de 2011. A construção do segundo reator começou no outono de 2019, e um contrato também foi assinado para a construção de um terceiro.
David García Contreras, internacionalista da UNAM, diz que embora o objetivo do programa nuclear iraniano seja a geração de energia elétrica, há também um elemento de dissuasão.

Uma nova arquitetura global

Os especialistas enfatizaram que a parceria estratégica entre Moscou e Teerã representa um passo à frente no processo em direção à uma globalidade multipolar e um golpe na hegemonia dos Estados Unidos.

"Essa política, não só da Rússia, mas também dos seus aliados, dos BRICS e da China, vem transformando gradualmente a ordem internacional que surgiu após a Segunda Guerra Mundial; está praticamente sendo criada uma nova arquitetura global, algo novo, mas as mudanças não são vistas tão rapidamente", afirmou Soto.

Segundo ele, o acordo com o Irã faz parte do objetivo da política externa da Rússia de continuar como um dos centros influentes do mundo nessa criação de uma ordem mundial mais justa, onde não haja uma potência hegemônica que dita o que deve ser feito no mundo.
"O acordo é um passo em direção ao objetivo do multilateralismo em oposição ao modelo unipolar, que era liderado pelos Estados Unidos", explica Soto.
García Contreras acrescenta, ainda, que "esse acordo mostra o progresso no fortalecimento dos laços entre dois atores importantes fora do Ocidente: uma superpotência, a Rússia, e uma potência média, o Irã. A mensagem é clara: o crescimento do multilateralismo".
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