Panorama internacional

Panamá na berlinda: manobra de controle do canal pode se voltar contra Trump, argumentam estudiosos

Após as ameaças do presidente dos EUA, Donald Trump, de tomar o controle do canal do Panamá, a China se pronunciou em favor do país da América Central. Mas será que o gigante asiático estará disposto a entrar nesta queda de braço se isso ocorrer?
Sputnik
O programa de podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, ouviu analistas a respeito do assunto.
Na avaliação do professor de relações internacionais do Ibmec José Niemeyer, essa é uma agenda preocupante do governo Trump, que, segundo ele, busca "a todo custo" retomar a economia norte-americana e suas empresas, sendo o canal do Panamá um "ponto logístico nevrálgico" para ele.

"Trump tem a necessidade de baratear custos da sua logística e do seu comércio exterior. Por isso, precisa muito do canal do Panamá, porque como ele quer reativar a economia norte-americana e principalmente setores muito intensivos de capital e que são exportadores, vai querer que os Estados Unidos continuem exportando […] vai precisar de uma logística muito ágil."

Com a Nova Rota da Seda, acrescentou, o canal do Panamá será cada vez mais estratégico, pois aumentará a produção chinesa, inclusive em parceria com a Rússia.
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"Cada vez o canal do Panamá ganhará mais relevância, e é claro que a equipe de Trump já percebeu isso e está com essa retórica, questionando controles com relação ao canal do Panamá por parte do governo panamenho", opinou Niemeyer.
O próprio porto de Chancay, no Peru, construído com o apoio de companhias chinesas, têm relação estratégica com a rota entre o Chancay e o Panamá, frisou.
Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB), Ricardo Caldas também ressaltou a importância mundial do canal, que une os oceanos Atlântico e Pacífico. O canal facilita o comércio marítimo para muitos países.

"Os dois oceanos têm níveis de mar distintos. Não tem como passar diretamente de um oceano para o outro porque haveria uma queda. O navio cairia como se fosse um precipício", destacou ele, ao explicar que o canal equaliza o nível da água, permitindo que um navio vá de um ponto ao outro sem trauma.

"O canal é a maneira mais eficiente de levar um ponto da América Latina à Europa ou, até mesmo, ali naquela região do leste da África, ali da costa da África".
Caldas lembrou que os EUA já interferiram na política do Panamá ao apoiar e financiar a deposição do ex-presidente Manuel Antonio Noriega, por acusação de envolvimento com o tráfico internacional de drogas, que posteriormente foi julgado nos Estados Unidos.
O canal foi construído com grande apoio dos EUA, que então assinaram um tratado com os países da região, a fim de explorar o canal em um prazo de 100 anos.

"Ou seja, os Estados Unidos controlando o canal significa que querem ter um controle absoluto sobre a América Latina. Esse raciocínio ou essa perspectiva poderia levar a China a começar, por exemplo, manobras militares na área de Taiwan, ameaçando uma intervenção como possível resposta", disse Caldas.

O professor de pós-graduação em geopolítica do mundo contemporâneo da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Victor Oliveira ressaltou que, desde 1903, a independência do Panamá dependeu da construção do canal, e que, na década de 1960, os Estados Unidos patrocinaram golpes de estado no Panamá.
Atualmente, lembrou, duas empresas chinesas têm dois portos no Panamá. "A China está ali como um permissionário, digamos assim, um prestador de serviço. Mas o que controla, de fato, é o Panamá."
O histórico recente de patrocinar golpes de estado na região e invadir o Panamá militarmente acende o alerta nos demais países da região.

"Se eles fazem isso com o Panamá, que é o dono do canal e tem uma importância para a economia mundial muito grande, o que eles podem fazer com os outros? O Trump disse recentemente que o golfo do México deveria se chamar 'golfo da América', porque o nome é bonito, e culpou o México por todos os males dos imigrantes que chegam dos Estados Unidos."

Segundo Niemeyer, os países que formam a América do Sul e a América Central, e que também se aproveitam do canal do Panamá, devem se posicionar contra essas falas por meio da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Caldas seguiu uma linha de raciocínio similar.

"É um ponto extremamente complicado, mas se a gente normaliza está colocando um preço, ainda que não diretamente da nossa própria cidadania de latino-americanos. Os Estados Unidos vão entender que a América Latina deve ser subserviente e deve caminhar de acordo com o que o mandatário estadunidense quiser."

Trump: 'Feitiço contra o feiticeiro'

Niemeyer frisou que, nesse ímpeto nacionalista, Trump vai tentar substituir essas importações com capital norte-americano e companhias norte-americanas e que o preço pode ser alto demais.

"Do ponto de vista econômico, quando você faz isso dentro dos Estados Unidos, aumenta o déficit público, a dívida pública, porque ele vai ter que dar subsídio para indústrias que não têm preço para competir. Vão ter que manter juros altos para combater a inflação, e aí não vão conseguir entregar para o eleitor trumpista", declarou Niemeyer.

Por mais que seja uma economia muito forte, disse, os Estados Unidos precisam importar, ter mercados de exportação e garantir clientes e parceiros.

"O discurso dele não é de cooperação econômica, o discurso dele é quase autárquico. É como se os Estados Unidos pudessem bastar por ele próprio […] mas eles precisam de parcerias, porque a globalização impõe essas parcerias. Só se Trump está pressupondo o fim da globalização, o que é muito difícil. Muito difícil você acabar com o movimento de internacionalização dos fluxos produtivos e financeiros no mundo", disse o professor do Ibmec.

Caldas salientou que o impacto dessa anexação, segundo ele, seria particularmente sentido nos países da Ásia, mas também na Europa e na América Latina.

"A China também seria atingida frontalmente, totalmente […] e já pensando também em rotas comerciais, talvez pudéssemos pensar em outras frentes ou, até mesmo, uma atuação chinesa para a construção de algo similar em outro ponto da América Central, mas acredito que teria de haver um apoio institucional político interno do Panamá."

O professor da UnB ressaltou que o canal do Panamá fechado para a China será mau negócio para o mundo todo.

"A China é a maior exportadora do mundo, então produtos do nosso dia a dia, sejam dos mais simples, sejam dos mais elaborados, que passam por ali, esses preços naturalmente subiriam […] esse valor vai ser repassado em algum momento para o consumidor. E uma hora a gente sente."

Ainda segundo ele, a China não deve assistir de braços cruzados a essa tomada norte-americana do canal do Panamá. Entre as reações, ele citou o fechamento de alguns outros portos, o aumento de tarifas etc.

"A China é o maior exportador do mundo, então isso lhe dá uma vantagem operacional muito grande […] O feitiço pode virar contra o feiticeiro", comentou ele.

Niemeyer deu alguns exemplos de como a China poderia reagir a uma possível anexação pelos EUA do canal, como a ampliação de portos por parte da China na costa leste ou oeste da Ásia e a retaliação financeira aos EUA.

"Os Estados Unidos têm muito dinheiro americano na China, então talvez a China possa usar isso também como forma de pressão", mencionou Niemeyer.

Outra estratégia da China para se defender da investida norte-americana no canal, citou, pode ser a de fortalecer o governo no Panamá e países próximos para ganhar influência.
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