Nesta sexta-feira (31), estará de volta ao Brasil a Expedição de Circum-Navegação Costeira da Antártica. Foram mais de 70 dias no mar navegando em torno e desembarcando no continente gelado em busca de amostras.
Ao todo, 57 pesquisadores de sete países — Brasil, Rússia, China, Índia, Chile, Argentina e Peru — chegam à cidade de Rio Grande (RS) pela manhã, ansiosos para começar a trabalhar.
"A pesquisa científica, na verdade, começa agora, após desembarcarmos no porto", diz Jefferson Cardia Simões à Sputnik Brasil diretamente da passagem de Drake, um dos estreitos mais revoltos do mundo.
Primeiro glaciólogo brasileiro e líder da expedição, o professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) conta que nesses dias eles navegaram em torno da Antártica, parando em diferentes pontos do mar e da costa para coletar dados, tanto da atmosfera quanto das águas e do gelo.
"Quando deu, nós descemos nas geleiras para fazer amostragens de neve e gelo, no que nós chamamos de testemunho de gelo."
O cientista relata ainda o clima de colaboração entre os integrantes da expedição, fosse nos momentos de trabalho, fosse nas horas de lazer, como nas refeições ou ao assistir a um filme.
"É um privilégio, é uma maneira muito bonita de você fazer a pesquisa científica, e junto com esse aspecto que eu falei, da cooperação com países de diferentes culturas e línguas."
Membros russos e chineses da expedição de circum-navegação trabalhando no continente antártico, em 12 de dezembro de 2024
© Anderson Astor/Marcelo Curia/ICCE
É posto no Sistema do Tratado da Antártica (STA) que o continente só pode ser explorado para fins científicos, jamais comerciais. Dessa forma, não só as reivindicações territoriais no continente austral foram congeladas, como criou-se um mecanismo para compartilhamento dos trabalhos científicos.
"Ao longo desse período [da viagem], nós, é claro, sempre estávamos apoiando outras partes da expedição, inclusive um levantamento geofísico, aerotransportado, das massas de gelo e neve da costa antártica."
A importância do Akademik Tryoshnikov
A missão científica contou com uma novidade crucial para o sucesso das pesquisas. Pela primeira vez, cientistas brasileiros contaram com o apoio de um quebra-gelo para realizar pesquisas mais aprofundadas no continente: o Akademik Tryoshnikov, da Rússia.
Cedida pelo Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo, a embarcação permitiu "quebrar mar congelado com espessura de até 1,5 metro" e se aproximar dos paredões de gelo que atingem até 50 metros de altura.
"Isso é o que diferencia um quebra-gelo que nem o Akademik Tryoshnikov", diz Cardia. "Poder navegar sobre a banquisa, essa capa de mar congelado que está consolidada sem aberturas e sem canais."
Mas a embarcação não é "só" um quebra-gelo, explicita o líder da expedição. É um navio-laboratório, isto é, construído com o propósito de apoiar a pesquisa científica nas regiões polares.
Com 135 metros de comprimento, o Akademik Tryoshnikov conta com sete laboratórios científicos e diversas estruturas de apoio, como redes que permitem a coleta de diferentes espécies marinhas "desde plâncton até animais maiores", detalha.
"Este navio é maravilhoso para nós que não temos um equipamento desse para utilizar […]. Certamente foi uma experiência única para nós."
Navio laboratório Akademik Tryoshnikov, um quebra-gelo, em meio às banquisas, em 8 de janeiro de 2025
© Anderson Astor/Marcelo Curia/ICCE
Um projeto 'informal' do BRICS
Ainda que sete países tenham participado da missão, Cardia conta que em sua maioria os pesquisadores pertenciam a quatro: Brasil, Rússia, Índia e China. "Não foi o propósito no início, mas acabou sendo praticamente BRICS", disse, destacando que a experiência serviu para "aumentar a cooperação Brasil-Rússia em termos científicos".
Durante a viagem, foi possível fazer paradas nas estações de pesquisa de cada um dos países, que têm "diferentes conceitos arquitetônicos". A brasileira, Estação Antártica Comandante Ferraz, por exemplo, foi recém renovada e está em ótima condição.
Já as russas estão em processo também de renovação e adição de novas instalações, como a estação Vostok, "que é instalada no lugar mais frio onde há pessoas habitando, onde chega a fazer -89 °C no auge do inverno".
Por sua vez, diz Cardia, os chineses também estão impressionando pela grandiosidade e rapidez na construção de suas estações. "A China já está indo para a quinta estação na Antártica."
Quebra-gelo russo Akademik Tryoshnikov leva equipe internacional em expedição de circum-navegação da Antártica, em 23 de janeiro de 2025. Ao fundo a Estação Antártica Comandante Ferraz
© Anderson Astor/Marcelo Curia/ICCE
O cientista destaca que é importante que o Brasil mantenha suas pesquisas no continente austral, tanto para manter seu direito a voto nas reuniões do Sistema do Tratado da Antártica e decidir o futuro da região, quanto pela importância do conhecimento científico produzido.
"O sistema ambiental é indivisível, não existe parte menor e mais importante", afirma Cardia. "As regiões polares são tão importantes quanto a Amazônia para a circulação da atmosfera e do oceano para o nosso clima."
Um exemplo clássico, detalha, é que muitas vezes as frentes frias que atingem o país são formadas no oceano Austral, "essa enorme massa de água fria ao redor da Antártica".
Navio-laboratório Akademik Tryoshnikov, um quebra-gelo, navega no oceano Austral
© Anderson Astor/Marcelo Curia/ICCE
Prestes a retornar ao Brasil, Cardia despede-se da Antártica, talvez para sempre. "Eu, pessoalmente, creio que é minha última viagem."
"Já estou há mais de 30 anos envolvido com pesquisas aqui na Antártica. Foi a minha 29ª viagem. Então é hora de passar o bastão para os meus, nessa altura nem tão jovens, colegas."