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EUA podem tentar, mas confiança da Rússia 'nunca será retomada', dizem analistas (VÍDEO)

Antes mesmo de retornar à Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, já mantinha uma boa relação com o presidente russo, Vladimir Putin. Agora que assumiu, o estadunidense rapidamente ordenou a retomada do diálogo com a Rússia. Por quê? É apenas uma questão de afinidade pessoal entre grandes líderes ou há algo mais?
Sputnik
Nem sempre a relação entre Moscou e Washington foi boa. Pelo contrário, chega a ser difícil encontrar momentos de proximidade entre as duas potências na história, especialmente após a Revolução Russa.
No entanto, a situação mudou brevemente de figura com a chegada do executivo Donald Trump à Casa Branca. Afirmando-se um admirador do presidente da Rússia, Vladimir Putin, o estadunidense manteve um canal aberto com sua contraparte do Kremlin, com diversas conversas telefônicas e alguns encontros presenciais.
Dada a boa relação, Trump afirma reiteradamente que, se fosse presidente à época da operação militar especial, a situação na Ucrânia não teria se deteriorado a ponto de provocar o conflito ainda corrente no leste da Europa.
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Por conta disso, não é de se esperar que, desde que retornou à Casa Branca, o norte-americano retomou o diálogo com a diplomacia russa — com uma reunião de alto nível já ocorrendo em Riad por intermédio da Arábia Saudita e uma chamada entre os dois presidentes.
Ambos os contatos tiveram como foco a retomada das relações diplomáticas e econômicas entre a Rússia e os Estados Unidos, a partir da conclusão de um acordo de paz que encerre o conflito ucraniano.
Na mídia ocidental, análises rasas condicionam essa proximidade a uma mera afinidade pessoal entre Trump e Putin. Contudo, à Sputnik Brasil, especialistas nas relações entre os dois países apontam motivos mais profundos, desde preocupações com a hegemonia do dólar à segurança geopolítica dos EUA.

EUA já perderam demais

Em entrevista à Sputnik Brasil, o professor e pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Rússia (Prorus), Fred Leite Siqueira, afirma que o que está por trás do cortejo de Trump a Putin são motivos puramente econômicos. "Os norte-americanos olham apenas para o seu próprio bico", conta.
"Do ponto de vista dos Estados Unidos, hoje a aproximação com a Rússia é estratégica em termos econômicos e em termos políticos", afirma Siqueira.
Isso se configura tanto por estimativas estadunidenses de que Washington já queimou mais de US$ 300 bilhões (cerca de R$ 1,7 trilhão na cotação atual) na Ucrânia quanto por todo o dinheiro perdido ao impor sanções econômicas à Rússia e se abster desse comércio.

"Entretanto o que Trump quer mesmo, mais do que qualquer coisa, é manter o dólar como moeda internacional."

"Os Estados Unidos serem o dono da moeda internacional é uma vantagem gigantesca. E é essa vantagem que faz os Estados Unidos serem temidos e poderosos", explica o especialista. Hoje, entretanto, essa primazia é ameaçada pelo movimento da desdolarização das finanças globais, que prevê a substituição do dólar estadunidense como moeda padrão do comércio mundial.
Fortalecida especialmente depois que a Rússia — quarta maior economia do planeta — foi alvo das sanções euro-atlânticas, essa iniciativa é encabeçada pelo BRICS, grupo de países do Sul Global que busca reformar a governança política e financeira global.
Com exclusividade à reportagem, o jurista, analista geopolítico e editor da Autonomia Literária, Hugo Albuquerque, destaca que o movimento de desdolarização já não é mais falado apenas por oponentes geopolíticos dos Estados Unidos, mas seus próprios aliados se assustaram com o uso do dólar enquanto arma financeira.

"Não é uma uma situação fácil para os Estados Unidos. Trump e o J. D. Vance [vice-presidente dos EUA] perceberam que não tem como você evitar a desdolarização com uma política sancionatória muito ortodoxa, como a que o [ex-presidente Joe] Biden fez."

Dessa forma, explicita Siqueira, o que Trump quer é trazer a Rússia de volta para a neutralidade, isto é, para o não alinhamento com a China.
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Rússia se voltará para o Ocidente?

A retomada das relações norte-americanas com a Rússia, entretanto, não é a única iniciativa de Trump nesse sentido. O líder da Casa Branca fala também em retomar as reuniões do formato G8, que abarca os países do G7 e a Rússia. Notavelmente, nenhum outro país do BRICS, como a China ou a Índia — segunda e terceira maiores economias do mundo — está incluído no G7.
Ou seja, diz Siqueira, esse movimento representa uma tentativa de afastar a Rússia dos aliados orientais, trazendo-a para uma neutralidade geopolítica como modo de "combater a concorrência chinesa".
Segundo Albuquerque, Trump reconhece que a multipolaridade está emergindo no mundo e que sua política de retomada das relações vem como uma forma de "negociar um entendimento onde os EUA caibam nesse acordo" da China com a Rússia.

"E quem o Trump escolheu para ser sacrificado é a Europa, a Europa é o bode expiatório."

"Mas aquela confiança de antigamente nunca vai ser retomada", crava Albuquerque, explicitando que os EUA não seriam capazes de rachar a relação entre Rússia e China, ainda que o peso de sua economia influencie os fluxos de valores. "Então não acho que a Rússia vai cair na isca, mas isso também tem um efeito, sim, real, o qual a gente não pode ignorar."
O mesmo diz Siqueira, que afirma que, do ponto de vista russo, "fazer qualquer tipo de distensão política com a China não está em pauta".

"Hoje existem três países independentes, três que são donos do seu próprio nariz. E esses países são a China, os Estados Unidos e a Rússia."

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