Panorama internacional

'Caminho estratégico': Brasil reduz impacto das tarifas dos EUA ao se aproximar de países da ASEAN

Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas afirmam que a aproximação com países asiáticos interessa ao Brasil por ser uma das regiões do mundo que mais crescem em termos de PIB e por oferecer uma alternativa à onda protecionista dos EUA sob a gestão de Donald Trump.
Sputnik
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva viaja na próxima semana para o Vietnã, acompanhado de executivos da Embraer e da JBS, para negociar a venda de 10 aeronaves E190-E2 para a Vietnam Airlines e fechar acordos para a exportação de carne bovina para o país asiático.
A viagem ocorre dias após ser lançada na Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar Brasil-ASEAN (sigla em inglês para Associação de Nações do Sudeste Asiático), que tem como objetivo aumentar os fluxos comerciais do Brasil com países da organização, que integra Indonésia, Tailândia, Vietnã, Malásia, Filipinas, Cingapura, Mianmar, Camboja, Laos, Brunei e Timor-Leste — esse último como membro observador.
O bloco é o terceiro principal destino das exportações brasileiras, atrás apenas de EUA e China, tem um PIB agregado que gira em torno de US$ 3,8 trilhões (cerca de R$ 21,6 trilhões) e uma população de cerca de 682 milhões de habitantes, e há décadas a economia da região se encontra em constante expansão, com apetite crescente por produtos brasileiros.
Segundo a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), de 2019 a 2023 as vendas brasileiras a países do bloco registraram crescimento médio anual de 19,8%, acima da média anual total de 11,3% exportada pelo Brasil no período, o que comprova a relevância estratégica que o bloco passou a ter para o comércio exterior brasileiro.
Em entrevista à Sputnik Brasil, Bruna Sueko Higa de Almeida, advogada e mestranda em direito internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o estreitamento de laços entre Brasil e países da ASEAN pode resultar em uma maior diversificação de mercado, reduzindo a dependência da China e dos EUA.

"O estreitamento das relações pode resultar em significativo aumento das exportações brasileiras, tendo em vista que, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), em 2024 os países da ASEAN importaram US$ 26,3 bilhões [cerca de R$ 149,9 bilhões] em bens brasileiros", afirma.

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Ela acrescenta que essa aproximação abre oportunidades estratégicas em setores como o do agronegócio e de tecnologia, e para a agenda de sustentabilidade, e destaca que o Brasil já é um dos principais fornecedores de carne para a região, além de registrar uma crescente exportação de soja e milho.
Almeida frisa que a aproximação do Brasil com países asiáticos pode ser um caminho estratégico para reduzir os impactos de possíveis sanções e tarifas aplicadas pelos EUA sob a gestão de Donald Trump, devido à diversificação de mercados.
"Com uma população de mais de 600 milhões de pessoas, a ASEAN representa a quinta maior economia do mundo, em um mercado consumidor crescente. Com a geopolítica global se tornando mais volátil, ter parceiros diversificados protege a economia brasileira contra sanções comerciais dos EUA ou bruscas mudanças de política externa."
Já tendo a China como maior parceira comercial, a aproximação do Brasil com a ASEAN pode ampliar significativamente as alternativas brasileiras de parcerias na Ásia, trazendo benefícios estratégicos e econômicos, destaca a especialista.
"Países da ASEAN têm grande demanda por alimentos, recursos naturais, tecnologia agrícola e energia renovável, setores em que o Brasil é competitivo."
Ela ressalta ainda que a Indonésia atualmente é a maior economia do Sudeste Asiático, com a previsão de atingir um PIB de US$ 1,5 trilhão (cerca de R$ 8,5 trilhões) em 2025, e tem potencial para ser uma ponte estratégica entre a ASEAN e o BRICS, grupo que passou a integrar formalmente como membro pleno em janeiro.
"Com sua economia crescente, a Indonésia pode facilitar a cooperação econômica, comercial e diplomática entre os dois blocos, favorecendo acordos comerciais bilaterais e regionais. Com o apoio da Indonésia, o Brasil pode ampliar suas exportações, diversificar seu mercado, atrair investimentos e fortalecer sua posição global", sublinha Almeida.
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Bruno Hendler, professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRG), afirma à reportagem que estreitar laços com o Sudeste Asiático interessa ao Brasil por ser uma das regiões do mundo que mais crescem em termos de PIB, com mercados em potencial muito grandes, como a Indonésia.
"Há mercados com um potencial muito grande para serem explorados em termos de escala, primeiro de tudo. Então você tem a Indonésia, a Malásia, Filipinas… São países muito populosos e podem interessar muito alguns setores específicos", explica.
No entanto, ele acrescenta que no tabuleiro econômico não é necessariamente "um jogo de ganha-ganha", já que muitas economias do Sudeste Asiático têm um perfil parecido com o do Brasil. Logo, há setores que vão ser mais concorrentes do que parceiros dos produtos brasileiros, principalmente o agropecuário.

"Porém há setores em potencial, como o da aviação civil. Se não me engano, a Embraer tem na Malásia e na Indonésia dois clientes, dois compradores históricos. Se você pesquisar, tem várias encomendas de países do Sudeste Asiático por aviões brasileiros."

Ele também chama atenção para Cingapura, afirmando ser um país que concentra atividades de alto valor agregado em tecnologia.
"Não só [tecnologia] de softwares e semicondutores, mas também de transporte e logística. Então eu acho que são setores interessantes para as empresas brasileiras abrirem os olhos", afirma.
Já com relação ao âmbito diplomático, Hendler afirma que a Indonésia "tem muito cara de BRICS", porque tem uma política externa historicamente não alinhada.

"Tanto que a primeira reunião dos países não alinhados durante a Guerra Fria aconteceu em 1955, na cidade de Bandung, que fica na Indonésia. Então essa terceira via, esse não alinhamento ligado a um terceiro-mundismo, à questão do desenvolvimento econômico de países do Sul Global, encaixa muito com o papel da Indonésia."

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Ele afirma que outro ganho pouco falado que a Indonésia traz é o fato de ser o país com a maior população muçulmana do mundo, que tem feito uma diplomacia de paz e conciliação e também mediação em regiões de conflito que envolvam povos ou grupos muçulmanos.
"Na Ásia Central, no Afeganistão, na África do Norte, Chifre da África, no Oriente Médio estendido de uma forma geral, a Indonésia tem uma influência muito grande como um país moderado, que busca a mediação. E nesse caso é uma mediação que, ao mesmo tempo, engrossa o caldo do revisionismo soft, que é o que o BRICS faz ao Ocidente."
Hendler afirma considerar o BRICS um arranjo geopolítico ou diplomático que corresponde a um revisionismo soft, e que, com exceção de Rússia e China, engloba potências médias e em desenvolvimento, que não têm condições de contestar as grandes estruturas de poder do Ocidente via poderio político e militar, e por isso acabam optando pelo viés diplomático.
Ele afirma ainda que a onda de protecionismo levada a cabo pelos EUA sob a gestão Trump sem dúvida vai encarecer produtos nos EUA, e os tradicionais exportadores da economia norte-americana vão acabar buscando alternativas.

"Isso tende no longo prazo a enfraquecer o próprio dólar como moeda de reserva e de meio de pagamento do comércio internacional, mas isso vai levar décadas ainda para acontecer. Mas um dos primeiros passos, sem dúvida, é essa aproximação entre países que exportam muito para os EUA e vão buscar outros [parceiros]", afirma.

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