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Revolução dos Cravos: movimento abriu caminho para o tardio fim do colonialismo português na África?

Após décadas de confrontos para Portugal manter sob o seu poder as colônias africanas, começava a Revolução dos Cravos, que levou ao fim da ditadura de Marcelo Caetano, sucessor de António de Oliveira Salazar, em meio a uma grave crise econômica. Especialistas analisam ao podcast Mundioka os impactos do movimento para a independência na região.
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Era 25 de abril de 1974, quando a dramática situação de Portugal levou um grupo de militares a tomar as ruas de Lisboa para derrubar os quase 50 anos de governo ditatorial. Era o início da Revolução dos Cravos, que ao longo de dois anos abriu caminho para a instauração da democracia no país. E foi também nesta época que Moçambique, Angola e Guiné-Bissau se libertaram do colonialismo português e conquistaram a independência.
O professor titular do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP) Francisco Carlos Palomanes Martinho afirmou ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que o movimento foi crucial para acelerar o processo nas colônias africanas.
"A transição para a democracia em Portugal é o primeiro passo para a obtenção das independências na África de língua oficial portuguesa, porque sem ela o processo descolonizador não teria dado os seus passos iniciais", resume.
Anos antes, os movimentos separatistas nas colônias portuguesas na África levaram Portugal a enviar tropas para manter as regiões sob o controle da então metrópole — só em Angola, conforme o professor, foram mais de 13 anos de conflitos intensos.

"Isso gera um desgaste significativo em uma época em que a pauta das independências e do anticolonialismo era cada vez mais forte. Ainda houve a pressão internacional contra Portugal, principalmente na ONU [Organização das Nações Unidas], e ainda uma politização das Forças Armadas […] por conta do desgaste causado pela continuidade do conflito", pontua.

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A sociedade portuguesa e o fim do colonialismo

Nos anos 1960, Portugal vivia uma contradição. Ao mesmo tempo em que enfrentava duras guerras em suas colônias africanas, o país passava por um processo de modernização econômica, impulsionado pela entrada na Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, na sigla em inglês). "Isso gerou o surgimento de uma burguesia e de uma classe média mais voltadas para a Europa do que para a África", comenta Martinho.
Esse deslocamento de interesses foi crucial para o colapso do discurso colonial. "A ditadura portuguesa se sustentava no sistema colonial. Quando ele começa a ruir, rui junto o apoio ao regime", completa o professor.
Com a morte de Salazar, em 1970, Marcelo Caetano assumiu o regime e, mesmo com a crise econômica cada vez mais intensa, fez acordos secretos com países como África do Sul e Rodésia (que mais tarde se tornou o Zimbábue) para apoiarem o combate aos grupos que lutavam pela independência das colônias portuguesas, pontua o professor. Isso até a revolução que derrubou a ditadura.

"Do ponto de vista militar, a Guiné foi o único país que de fato venceu o Exército português, em 1973 […]. Nos outros casos, como havia um reconhecimento imediato nos foros internacionais sobre a necessidade de independência das demais colônias, começam negociações que se estendem até 1975 para os acordos com Angola e Moçambique. Então houve um processo transicional com representantes do governo português e dos movimentos de libertação", pontua.

Já o analista de geopolítica Paulo Martires, que é português, defendeu ao podcast Mundioka que, apesar dos impactos da Revolução dos Cravos na África, a independência das colônias foi provocada pelo próprio abandono de Portugal.
"Nós invadimos, ocupamos, escravizamos e roubamos durante 500 anos, [processo] que termina formalmente em 1974. Quando se deu a revolução, talvez a independência das colônias não tenha sido uma independência, mas um processo de abandono forçado diante de uma situação que já era insustentável por si."
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Êxodo dos colonos portugueses

Com a independência das colônias, cerca de meio milhão de portugueses que viviam na África foram obrigados a retornar ao continente europeu. Muitos chegaram a Lisboa sem casa, trabalho ou qualquer perspectiva. O governo português criou políticas para oferecer assistência mínima aos que voltaram.
"Eles eram vistos como a cara do colonialismo. Essas pessoas foram estigmatizadas. Há fotos impressionantes delas dormindo no chão do aeroporto de Lisboa, sem ter para onde ir", finalizou o professor da USP.
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