Nossa compreensão sobre Marte e sua antiga habitabilidade está profundamente ligada ao entendimento da água em sua história. Embora hoje o planeta seja frio e seco, há evidências de que foi quente e úmido no passado. A descoberta de faixas escuras em encostas marcianas, que pareciam fluxos sazonais de água, gerou entusiasmo na comunidade científica, levantando a possibilidade de que essas marcas fossem sinais de água subterrânea ainda presente.
Essas faixas foram chamadas de Linhas de Encosta Recorrentes (LSR, na sigla em inglês), pois surgem e desaparecem sazonalmente nos mesmos locais, podendo se estender por centenas de metros. A hipótese inicial era de que essas formações poderiam indicar a presença de água líquida ou salmouras, o que teria implicações significativas para a habitabilidade atual de Marte e para a existência de vida microbiana.
Imagem da câmera HiRISE no Mars Reconnaissance Orbiter da NASA mostra linhas de declive recorrentes na Cratera Palikir
© Foto / NASA/JPL/Universidade do Arizona
No entanto, uma nova pesquisa publicada na Nature Communications por Valentin Bickel e Adomas Valantinas, concluiu que essas estrias não estão relacionadas à água. O estudo analisou tanto as LSR quanto outras estrias de encosta, que desaparecem ao longo de anos, e argumenta que ambas são formações secas, sem envolvimento de processos aquosos.
Os pesquisadores criaram um extenso catálogo com cerca de 500.000 faixas, divididas entre escuras (mais recentes) e claras (mais antigas). A análise permitiu comparar essas formações com dados sobre temperatura, vento, hidratação e outros fatores ambientais, buscando padrões que explicassem sua origem.
A partir dessa análise, os autores descartaram hipóteses anteriores como redemoinhos de poeira, quedas de rochas e ciclos térmicos como causas principais. Além disso, não encontraram evidências que sustentassem a formação por água líquida, como a orientação específica das encostas ou a presença de geada de gás carbônico (CO₂) como gatilho.
Por outro lado, o estudo encontrou correlações estatísticas que apoiam a formação seca das faixas. Elas tendem a ocorrer próximas a locais de impacto recente, em áreas com ventos mais fortes e maior deposição de poeira durante o inverno do hemisfério norte, o que coincide com sua intensificação sazonal.
Essas descobertas têm implicações importantes para futuras missões a Marte. Se as faixas fossem úmidas, haveria risco de contaminação por microrganismos terrestres, exigindo medidas rigorosas de proteção planetária. Como são secas, esse risco é reduzido, facilitando a exploração de regiões onde essas formações ocorrem.
Ainda segundo os autores, o grande diferencial da pesquisa foi o uso de big data, essencial para revisar hipóteses e entender melhor os processos atuais em Marte, o que reforçou a imagem de Marte como um ambiente árido e desértico.