Com a participação de vários chefes de Estado, inclusive do Brasil, as
celebrações do Dia da Vitória tomaram as ruas de Moscou em maio, mesmo com os boicotes e a tentativa do Ocidente de apagar a importância soviética que garantiu a derrota do
projeto nazista de poder. Antes da entrada de Moscou na Segunda Guerra Mundial, os aliados — inicialmente liderados por Reino Unido, França e Polônia — viam como praticamente sacramentada a vitória da Alemanha de Adolf Hitler no conflito. Mas em 1941 começava o confronto que iniciaria uma reviravolta surpreendente: a
Batalha de Stalingrado.
Nos primeiros meses, os nazistas avançaram sobre o território da União Soviética e objetivavam chegar rapidamente a Moscou. Até que problemas logísticos começaram a abalar as forças alemãs e, em uma batalha que durou mais de um ano com os soviéticos, eles foram obrigados a se render.
"A partir dali, essa derrota foi muito cara para a Alemanha, e o mundo percebeu que a máquina militar nazista não era invencível e poderia ser derrotada. E não só derrotada, como também os soviéticos começaram a
demonstrar sua capacidade não só de revidar, mas partir para o contra-ataque", cita ao
podcast Mundioka o escritor, analista internacional e mestre em relações internacionais pela Universidade Estatal de São Petersburgo Valdir Bezerra.
Os
avanços sucessivos do Exército Vermelho, que lutava praticamente sozinho, levou à tomada de Berlim em 1945 e, somente dias depois, com a vitória praticamente sacramentada, chegaram as demais tropas da aliança.
Porém, nos últimos anos, está em curso a tentativa de negar o reconhecimento da importância histórica da União Soviética no conflito, principalmente na Europa. Essa, de acordo com Bezerra, é também uma das razões para o lançamento do livro "80 anos da vitória na Grande Guerra Patriótica: memória, reconstrução e perspectivas", organizado por ele em parceria com o pesquisador Boris Perius Zabolotsky.
"Essa é uma data que não é importante apenas para a Rússia. Ela é importante para o mundo, que derrotou um projeto hegemônico baseado em uma superioridade de raça e na subjugação de outros povos. A Alemanha, inclusive, tinha planos de domínio até mesmo na América do Sul e em outras partes do globo. Mas a partir dos anos 2000, infelizmente, há alguns processos de revisionismo histórico, sobretudo na União Europeia, para criticar ou minimizar a contribuição da União Soviética para a derrota do nazismo", explica o escritor, que pontua que, inclusive no Brasil, a contribuição soviética é muito pouco falada e prevalece o papel dos Estados Unidos no conflito mundial.
Conforme o especialista, há casos concretos de tentativa de apagar o passado. Em 2009, foi aprovada no parlamento da União Europeia (UE) uma resolução que igualava, qualitativamente, a União Soviética ao regime nazista.
"Esse tipo de resolução passou por pressão de países que tinham entrado no bloco havia pouco tempo. A UE passou por um processo de expansão em 2004, quando absorveu dez países, a maior parte deles no Leste Europeu", acrescenta, ao citar nações como Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia.
Já dez anos depois, o mesmo parlamento culpava Moscou pelo início da
Segunda Guerra Mundial, em compartilhamento com a Alemanha.
O especialista lembra que, até junho de 1941,
praticamente toda a Europa Ocidental já era dominada por nazistas, que inclusive chegaram a promover intensos bombardeios contra Londres, até então a
principal potência militar contra o Eixo.
Na sequência, Hitler decidiu romper um tratado de não agressão firmado com a União Soviética e se voltou para leste, quando os rumos do conflito começaram a mudar.
Além disso, Valdir Bezerra acrescenta que essa vitória é, ainda hoje, um "grande elemento aglutinador para a sociedade russa", que viveu uma intensa crise durante toda a década de 1990 em meio à dissolução da União Soviética, inclusive de identidade.
"Nessa época, a Rússia buscou responder à seguinte pergunta: quem nós somos agora? E uma das respostas encontradas para redefinir o seu futuro foi justamente o seu passado, foi justamente as conquistas do seu passado. O uso dessa memória histórica para gerar orgulho e coesão nacional veio principalmente com a
presidência de Vladimir Putin, quando teve, inclusive, a restauração das paradas militares em Moscou", finalizou.