A
guerra comercial iniciada por Donald Trump, com tarifas impostas a parceiros estratégicos, acabou provocando um movimento inesperado: o realinhamento econômico global em direção a Pequim.
O afastamento dos EUA de tradicionais aliados abre espaço para a consolidação da China como o principal motor das relações comerciais no século XXI.
Enquanto os Estados Unidos reforçam barreiras comerciais e endurecem as relações com antigos aliados, a China avança. A avaliação é do professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Bruno Hendler. A esta agência, ele afirmou que o afastamento de Washington de vários países abre espaço para Pequim se fortalecer — inclusive com o Brasil.
Segundo Hendler, a tentativa de Donald Trump de conter a expansão chinesa com tarifas e medidas protecionistas teve efeito contrário. "Esses benefícios [para a China] vão muito além do comércio", afirmou.
Para Alana, o novo cenário pode facilitar a entrada de investimentos chineses em países do Sul Global, além de permitir uma maior integração com cadeias produtivas asiáticas, em franca expansão. Ela destaca também a possibilidade de cooperação ampliada em áreas estratégicas, como a da tecnologia.
No caso brasileiro, a reorientação de parte das exportações para a China é considerada viável, especialmente porque o país asiático já ocupa o posto de principal parceiro comercial. No entanto, Alana alerta que apostar exclusivamente na China também envolve riscos: "É fundamental que o Brasil busque diversificar suas parcerias comerciais para além da China, a fim de contrabalancear potenciais perdas em relação aos Estados Unidos".
A demanda chinesa por commodities agrícolas e minerais segue alta, mas o Brasil precisa ir além do papel de mero exportador de matérias-primas.
O distanciamento dos EUA pode representar uma oportunidade, mas com limites, segundo Hendler. Ele avalia que não é possível simplesmente trocar os Estados Unidos pela China como destino das exportações brasileiras, porque os produtos vendidos a cada país são diferentes.
"Não é inevitável essa transição para a China da nossa pauta exportadora", afirmou. "Os EUA compram aviões, máquinas e eletrônicos simples. Já a China importa mais commodities. Não casa 100%."
Para a pesquisadora, o atual momento pode ser um catalisador do desenvolvimento industrial e tecnológico nacional. Do ponto de vista das importações, há oportunidades para substituir produtos norte-americanos por equivalentes chineses, sobretudo em áreas como as de veículos elétricos, insumos químicos e tecnologia de ponta.
Outro desdobramento possível dessa reconfiguração comercial é o
fortalecimento do yuan no comércio internacional. A China vem promovendo sua moeda como alternativa ao dólar em acordos bilaterais, especialmente no pagamento de commodities. "A intensificação dos laços comerciais com
a China pode de fato impulsionar o uso do yuan no comércio internacional", acredita Alana.
Para Hendler, o dólar ainda não deve perder sua posição, uma vez que é uma moeda mais usada para reservas e poupanças, além das transações entre países. Embora a China esteja tentando internacionalizar sua moeda, esse processo será lento e gradual. "É um cenário de mudança, mas que pode levar uma ou duas décadas", afirmou.