Pela terceira vez no ano,
Rússia e Ucrânia voltaram à mesa de negociações em Istambul, na Turquia, por mais de uma hora. Apesar de a delegação russa pontuar que as propostas de cada lado para a resolução do conflito ucraniano seguem distantes, alguns avanços foram registrados: o acordo para a troca de
cerca de 1,2 mil prisioneiros — maior número desde o início da operação militar especial —, além da proposta de Moscou de dois cessar-fogos curtos para a retirada de corpos e militares feridos da
linha de frente de combates.
As delegações também conversaram sobre a possibilidade de manutenção de um canal de diálogo virtual constante entre os dois países e, ainda, uma quarta rodada de conversas.
O pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e Relações Sul-Sul (NIEAAS) e doutorando em história comparada na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Eden Pereira Lopes da Silva ressalta à Sputnik Brasil que o encontro consolida a retomada de contatos entre Rússia e Ucrânia e mostra avanços, mesmo que lentos.
O especialista enfatiza, ainda, que a Rússia tem sido realista no processo de negociação: "Há a compreensão de que não será por meio de uma única reunião que se decidirá o
processo de paz na Ucrânia. É uma construção, e ainda existem diversos passos a serem constituídos." Já no lado ucraniano, o pesquisador
não vê clareza do governo Zelensky sobre como alcançar um cessar-fogo e, também, a paz na região.
"Embora [a Rússia] hoje adote postura um pouco mais pragmática do que no passado, ainda enxerga a possibilidade de reintegrar alguns dos territórios. Também há uma visão [na Ucrânia] de que o conflito não necessariamente acabará, mas que um cessar-fogo poderá funcionar como um armistício. Essa é uma perspectiva presente tanto na Ucrânia quanto entre alguns políticos da Europa e dos Estados Unidos", diz, ao lembrar que Moscou quer uma resolução definitiva.
As negociações ocorreram um dia depois de protestos tomarem as ruas de
várias cidades ucranianas, incluindo Kiev, contra uma lei assinada por Zelensky que retira a autonomia de
órgãos de combate à corrupção — um dos principais problemas do país e que cresceu ao longo do atual conflito.
Já o professor de geopolítica da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat) Vinicius Modolo acrescenta à Sputnik Brasil que a continuidade de Zelensky no poder não é legítima há mais de um ano, já que não houve convocação de eleições em 2024. Para o especialista, o ucraniano atua, hoje, mais como um "representante ocidental do que alguém verdadeiramente comprometido com a paz de seu país".
"A população ucraniana, há muito tempo, demonstra insatisfação com as medidas adotadas pelo presidente e seus ministros, tanto no recrutamento quanto na condução do conflito e nos discursos públicos. Isso tem causado mais sofrimento ao povo ucraniano do que, por vezes, os próprios ataques russos, que visam alvos militares. Considerando a permanência de Zelensky no poder, acho bastante complicada qualquer negociação de paz que realmente avance. Uma questão importante seria justamente sua substituição ou saída", defende.
Com a mudança de rota do governo norte-americano desde a chegada do presidente Donald Trump no poder, a Europa tem sido cada vez mais a
fiadora ucraniana no conflito com a Rússia. Na última semana, um suposto áudio do
primeiro-ministro da Alemanha, Friedrich Merz, flagrou o político defendendo a permissão de novos ataques ucranianos contra o território russo, o que seria uma "linha de defesa" para a União Europeia.
O pesquisador Eden Pereira avalia que Berlim se posiciona cada vez mais como um dos principais apoiadores de Zelensky, juntamente com o Reino Unido, muitas vezes com o objetivo de reativar a indústria militar do continente.
O professor da Unemat concorda e
acrescenta que a aliança vê a Ucrânia como um "laboratório para novas táticas e formas de guerra moderna" e, por conta disso, atua de
forma significativa para atrapalhar a resolução do conflito. "Creio que a OTAN, mais do que a União Europeia, por ser o braço militar do Ocidente, atrapalha as negociações de paz. Ela envia armamentos, equipamentos e oferece suporte logístico e de inteligência à Ucrânia, o que contribui para a continuidade."
Enquanto a Rússia amplia cada vez mais as conquistas no campo de batalha e se aproxima de uma libertação completa na
região de Donetsk, a Ucrânia segue incapaz de apresentar vitórias significativas, tanto para a população quanto para os fiadores europeus. É o que resume Eden Pereira, que vê
o início de uma nova fase do conflito.
"Desde 2023, com a estabilização da guerra, passamos por diferentes fases. Na primeira, tivemos o início da operação militar, que forçou a Ucrânia à mesa de negociações. Quase se chegou a um acordo, que foi dinamitado por Reino Unido e Estados Unidos. Depois, veio uma segunda fase entre 2023 até o momento, com a Rússia retomando a libertação das regiões que hoje já são parte da Federação da Rússia. Estamos, portanto, em uma nova fase do conflito, onde essas negociações são um esforço para estabelecer um cessar-fogo, mas até chegar a isso ainda é um processo longo", finaliza.