'China já se prontificou': em vigor, tarifas dos EUA levarão à reorientação do mercado brasileiro
À Sputnik Brasil, analistas apontam que o Brasil tem uma economia complexa, menos dependente dos EUA do que outros países latino-americanos, e destacam que o impacto prático imediato do tarifaço será a reorientação do mercado brasileiro. "A China já se prontificou" a abrir novas parcerias, declaram.
SputnikAs tarifas de 50% aplicadas pelo governo do presidente norte-americano, Donald Trump, aos produtos brasileiros entraram em vigor nesta quarta-feira (6), afetando 35,9% dos produtos brasileiros enviados aos EUA, que representam apenas 4% do total das exportações do Brasil.
Em entrevista à Sputnik Brasil, especialistas analisam os impactos políticos e econômicos da medida, assim como o potencial das principais ações estudadas pelo governo para conter os efeitos do tarifaço.
Para o economista
Pedro Faria, o tarifaço terá como resultado, em longo prazo, a
reorientação do mercado brasileiro —
isso pressupondo que as tarifas persistam.
"A gente tem visto que Donald Trump oscila muito, volta atrás e volta atrás de voltar atrás. Então, pressupondo a continuidade das tarifas tais quais elas são, que é um grande 'se', a tendência é que os exportadores afetados, que não estão na lista de exceções, busquem alternativas, seja no mercado interno […], seja buscando outros mercados", explica o economista.
Essa tendência ocorre porque a tarifa de 50% aplicada pelos EUA "é praticamente uma proibição de comércio" e inviabiliza, principalmente, as commodities, ao contrário de máquinas que, em alguns casos, são de modelos únicos dos quais o comprador estadunidense não pode abrir mão.
"Não é tanto o caso das exportações do Brasil para os EUA, que tendem a ser mais de produtos primários […]. Mesmo para isso, 50% é uma tarifa que efetivamente exclui os exportadores brasileiros do mercado norte-americano."
8 de dezembro 2023, 19:30
Sobre as declarações da China, que nesta quarta-feira (6)
expressou apoio ao Brasil diante do tarifaço, Faria enfatiza que o país
"aproveita a oportunidade" para firmar novas parcerias. Um exemplo é o aumento do consumo do café pelos chineses.
"A China já se prontificou, já imediatamente cadastrou 183 novos exportadores [brasileiros] de café, justamente tentando aproveitar a oportunidade que surge para eles. E ao Brasil cabe continuar. É importante enfatizar isto: o trabalho que o presidente Lula já tem feito, com bastante sucesso, de abrir mercados para produtos brasileiros", afirma.
Somado a isso, o especialista acrescenta que cabe ainda viabilizar o consumo interno do café, "que anda bastante caro", e afirma que negociar diretamente com empresários norte-americanos é uma boa estratégia do governo.
Isso porque a tarifa de importação é paga ao governo dos EUA, mas os custos são divididos entre os vários elos da cadeia, que incluem o exportador brasileiro, o importador e as companhias dos EUA que prestam serviços contribuindo, por exemplo, com o processamento daquele produto e, por fim, o consumidor estadunidense.
"E a tendência é que pelo menos uma parte afete o lado americano da cadeia, sejam os processadores, importadores e consumidores. Então é uma boa tática você tentar usá-los como ferramenta de pressão interna sobre o governo dos EUA."
Segundo Faria, a expectativa é de que essa medida tenha ainda mais efeito sobre produtos dos quais não há alternativa para o importadores estadunidenses, como o próprio café — commodity que não é plantada no país e que os norte-americanos teriam dificuldade de abastecer, mesmo redirecionando as importações para a Colômbia e o Vietnã.
O economista considera que há três medidas que o governo pode tomar para amortecer os impactos do tarifaço:
Diversificar a pauta de exportações, com foco em produtos complexos, como maquinário, manufaturados e siderurgia;
Variar os destinos de exportação para não depender somente de um país, como é o caso do México e do Canadá;
Ter espaço fiscal e legal para executar políticas nacionais diante de ataques comerciais do tipo.
Como exemplo deste último, está o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
"Se você tem espaço de orçamento para programas [...] e eles puderem absorver, por meio de compras públicas, esse excesso de produção que não vai encontrar mercado exterior, é uma alternativa, além de outras medidas de crédito subsidiado etc. Estamos em um bom momento para pensar em absorver esse excesso de oferta na recomposição dos estoques públicos, que estão baixos."
Tarifaço pode descolar ala bolsonarista da direita
Mayra Goulart, cientista política e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirma à
Sputnik Brasil que, no caso da América Latina,
há países muito mais dependentes economicamente do que o Brasil em relação à
economia norte-americana.
"O Brasil é um país com uma economia complexa, no qual as exportações para os EUA correspondem a menos de 0,5% do PIB [produto interno bruto]. Então a gente tem um lugar mais altivo para manifestar essa independência em relação aos EUA."
Para ela, os efeitos do tarifaço serão mais sentidos na política do que na economia ao dar de bandeja uma pauta concreta tanto para o bolsonarismo quanto para o PT, no sentido de organizar uma candidatura presidencial.
"No caso do campo progressista, dá uma pauta em relação à soberania, que já começou a ser explorada com resultados positivos."
Já no caso do bolsonarismo, Goulart afirma que as tarifas "reforçam uma aparência de poder internacional e o alinhamento sistêmico de uma extrema-direita global", na qual Bolsonaro teria influência, além de reforçar a narrativa de perseguição em relação a Jair Bolsonaro por parte do Supremo Tribunal Federal (STF).
No entanto, essa mesma movimentação do campo bolsonarista pode ocasionar o descolamento da ala mais "fisiológica" do Congresso, levando à radicalização, como a da noite de terça-feira (5), quando parlamentares bloquearam os trâmites.
Segundo a especialista, isso pode resultar no isolamento da ala bolsonarista da direita ou na sua transformação em um catalisador que puxaria essa direita do centrão para perto de si.
"Mas eu acho isso menos provável. Acho mais provável um descolamento do bolsonarismo nessa agitação que, se [a ala] ficar completamente isolada, não vai durar muito."
Acompanhe as notícias que a grande mídia não mostra!
Siga a Sputnik Brasil e tenha acesso a conteúdos exclusivos no nosso canal no Telegram.
Já que a Sputnik está bloqueada em alguns países, por aqui você consegue baixar o nosso aplicativo para celular (somente para Android).