A administração do presidente estadunidense, Donald Trump,
adotou uma postura ofensiva em relação à América Latina sob a alegação de combate ao narcotráfico, enviando contingente militar para a região, bombardeando embarcações venezuelanas e anunciando o cancelamento da certificação da Colômbia como
"aliada na luta contra as drogas".
Em paralelo, Trump pressionou Brasília impondo tarifas de 50% aos produtos brasileiros, acusando o país de não ser mais uma nação democrática e ordenando o fim do julgamento dos envolvidos no 8 de Janeiro.
Nenhuma das medidas, no entanto, trouxe o efeito de encurralamento esperado:
em meio às provocações dos EUA, a Venezuela firmou um acordo de cooperação com a Rússia, que abrange, entre outras áreas, parceria tecnológica, energética e militar; o presidente colombiano, Gustavo Petro, reagiu à retirada da certificação sinalizando uma mudança na relação com Washington, inclusive na parceria militar; e o Brasil não se curvou às exigências norte-americanas, concluindo o julgamento e abrindo novos mercados para compensar o tarifaço.
À Sputnik Brasil, Héctor Saint-Pierre, especialista em segurança internacional da Universidade Estadual Paulista (Unesp), explica que os EUA perderam a capacidade de pressionar a América Latina porque perderam a habilidade diplomática na região.
Ele acrescenta que novas tecnologias e fluxos econômicos e comerciais internacionais conferiram aos países latino-americanos "certa possibilidade de mobilização, liberdade e ação estratégica".
Saint-Pierre afirma que os EUA decidiram
concentrar sua atenção na América Latina para conter a expansão da influência chinesa e porque "Trump compreendeu a situação real das tensões internacionais", com a negação da Rússia à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) por meio da Ucrânia e o preparo militar de China, Irã e Coreia do Norte — quatro países que ele aponta formarem o
"quadrilátero" que os EUA consideram o inimigo da próxima guerra.
O especialista enfatiza que o objetivo de Washington é manter "sua fortaleza no que considera seu quintal, que seria o continente americano", que também é rico em recursos naturais e em terras raras. E o meio mais utilizado, há séculos, pelos EUA para intervenções na região foram invasões e, nas décadas mais recentes, golpes de Estado, que "inundaram países latino-americanos nos anos 1950, 1960 e 1970".
Segundo Saint-Pierre, os militares latino-americanos não apenas fazem uso do treinamento e do arsenal bélico norte-americano, como são alinhados à doutrina militar dos EUA.
"Então uma das formas que os EUA têm de pressionar é ameaçando com essa autonomia militar. O que teria acontecido no Brasil se no 8 de Janeiro, em lugar de Biden, estivesse o Trump [na Casa Branca]? Possivelmente o golpe teria acontecido. Isso é um expediente que está sendo usado em várias partes do mundo e que pode ser utilizado aqui. No caso da Colômbia, eu acho que o risco de Petro é justamente esse. Até que ponto ele tem o controle de suas Forças Armadas?"
Entretanto ele afirma que o momento atual, no qual os EUA têm conferido um tratamento cruel a seus aliados, diminui o valor que Washington pode ter como um ator político regional e abre uma oportunidade para os países da região ampliarem sua liberdade estratégica e cooperação.
"Os países da região, os Estados nacionais da América Latina, neste momento têm condições de procurar rearticular a cooperação de países sul-americanos para fortalecer-se quanto a uma posição política comum."
Para o analista, México, Colômbia, Chile e Brasil poderiam formar um eixo gravitacional para atrair outros países da região, "não para um enfrentamento aos EUA, mas em busca de sua autonomia e liberdade de ação estratégica".