Tarifaço, Mercosul e UE: 'Medo de ficar para trás' empurra Reino Unido para América Latina?
Em meio ao tarifaço norte-americano, Brasil e Reino Unido assinaram memorandos de entendimento visando desburocratizar e, consequentemente, ampliar e facilitar as negociações entre os países. Para analistas, parceria significa maior inserção do Brasil no mercado global e menor dependência do Reino Unido dos mercados tradicionais.
SputnikOs acordos, que preveem maior abertura comercial entre os países, são celebrados no ano em que as nações
completam 200 anos de relações diplomáticas. No dia 22 de setembro, autoridades
do Brasil e do Reino Unido se encontraram para assinar uma série de memorandos de entendimento nas esferas econômica, comercial e tecnológica.
Em outro momento da história, logo que o Brasil se tornou independente, um acordo de livre comércio foi aventado. Segundo Marcos Vinícius Figueiredo, professor de relações internacionais do Ibmec Rio de Janeiro, hoje existe "algo muito semelhante com o que aconteceu no nascimento daquelas relações diplomáticas", uma agitação na direção de acordos para liberalizar trocas comerciais. "A questão é que naquele tempo houve um grande rebuliço na sociedade brasileira [com a possibilidade de um acordo de livre comércio], porque o Brasil era um país muito agrário, escravista no momento, e um acordo de livre comércio seria muito assimétrico."
Malvisto naquele contexto, qualquer acerto foi contido pela tarifa alfandegária Alves Branco, imposta pelo império brasileiro.
"É interessante nós vermos que, já 200 anos depois, esses acordos […] têm o mesmo teor de facilitar e liberalizar o comércio. Eles não são mais vistos de forma tão negativa porque o Brasil passou por um processo de relativa industrialização, de modernização relativamente bem-sucedida no século passado e também no início do século XXI", argumenta.
No atual cenário, portanto, a parceria não seria vantajosa apenas para o Reino Unido, como há dois séculos. "Agora as duas nações podem sair ganhando", completa Figueiredo.
Que ganhos o Brasil terá em acordo com o Reino Unido?
A proposta de facilitação do comércio entre os dois países prevê, entre outras coisas, redução de burocracias, diminuição de custos operacionais e estímulo a investimentos em setores estratégicos.
"A desburocratização é muito importante. Não se trata apenas de reduzir tarifas para fazer com que os preços fiquem mais baixos. A desburocratização, sobretudo, reduz os custos transacionais das trocas comerciais", explica o professor do Ibmec.
Nesse sentido, ressalta, a tendência é de um cenário de "relações ganha-ganha", ou seja, o saldo é positivo para ambos.
No caso brasileiro, Francisco Marzinotto, pesquisador visitante no King's College de Londres e doutorando em economia política internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), visualiza ganhos para setores como defesa, energias renováveis e agronegócio, ressaltando a transferência de tecnologia como fator importante.
"No campo da defesa, o recente acordo de intenção firmado entre o Exército Brasileiro e o Reino Unido para a coprodução de canhões autopropulsados de longo alcance no Brasil reforça a ampliação das parcerias estratégicas e aponta para uma maior transferência de tecnologia, sinalizando um movimento de diversificação das relações econômicas e industriais entre os dois países."
Além disso, o impacto tende a ser positivo para empresas como a Embraer, que tem capacidade de trazer um valor agregado muito importante às
exportações brasileiras.
"A
Embraer, por exemplo, importa motores e componentes britânicos e, ao mesmo tempo, exporta aeronaves de diferentes portes para o mercado europeu. Assim, a empresa tende a ser duplamente favorecida,
tanto pela redução de custos quanto pela maior fluidez nos trâmites de exportação", acrescenta Marzinotto.
Também entra na cesta de possíveis ganhos para Brasília investimentos que podem vir de Londres para aquecer programas como o Nova Indústria Brasil (NIB) e o Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC).
"O Reino Unido é referência internacional em algumas dessas áreas, podendo tornar-se um parceiro estratégico nesse contexto. Ao reduzir barreiras comerciais e aprofundar a cooperação bilateral, os acordos reforçam o ambiente de confiança e previsibilidade necessário para atrair investimentos estrangeiros, favorecendo a execução e expansão desses programas estruturantes no Brasil", salienta.
Costura entre Mercosul e UE e 'medo de ficar para trás' após tarifaço
O acordo entre Reino Unido e Brasil ganhou forma em meio a uma série de tarifas impostas pelos Estados Unidos a diversas nações ao redor do globo. O Brasil, como é sabido, teve uma série de produtos taxados em 50%.
Segundo Marzinotto, as medidas dos EUA geraram "certa instabilidade global e acabaram servindo como incentivo para que diversos países buscassem diversificar suas parcerias comerciais".
O fenômeno não se restringe ao Reino Unido ou ao Brasil. E outros fatores também ajudam a explicar a busca por melhores condições de negócios por parte dos britânicos na América do Sul.
Em entrevista recente, o ministro de Comércio do Reino Unido, Chris Bryant,
demonstrou preocupação com a União Europeia (UE) e a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) terem fechado um
acordo com o Mercosul e ponderou o risco de o Reino Unido ficar de fora. Bryant também chamou a atenção para potenciais perdas para empresas britânicas e para a potencialidade que os negócios com o Brasil têm.
De acordo com os analistas ouvidos pela Sputnik Brasil, o Reino Unido tem buscado diversificar parcerias após o Brexit, com o intuito de reduzir a dependência de parceiros tradicionais.
Essa busca compensatória da parte do Reino Unido poderia motivar o Brasil a explorar mais as negociações, avalia Figueiredo. Segundo ele, a negociação é "muito mais importante para o Reino Unido, que se encontrou isolado no contexto do pós-Brexit por escolha própria", o que aumenta o poder de barganha brasileiro.
Independentemente dos caminhos que levarem Londres e Brasília a fechar um acordo, a avaliação é que ambos os países ganham em eficiência e crescimento econômico, e Figueiredo ressalta a importância de acordos bilaterais no cenário atual de
protecionismo econômico e aumento de tarifas por parte do governo americano.
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