A primeira fase do Mitra Nacional prevê um investimento de R$ 3 milhões e a expansão do projeto para as fronteiras dos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Roraima, onde a iniciativa foi apresentada em 2021, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL).
À Sputnik Brasil, Vandete Mendonça, gerente da Unidade de Novos Negócios da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), contou que o projeto é baseado em tecnologias de ponta para segurança pública, entre elas a Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês) e a inteligência artificial.
"Em termos práticos, tem-se a utilização de videomonitoramento com ferramentas de IA, conforme parametrizações realizadas pela PF, para auxiliar os agentes na cobertura das regiões fronteiriças de forma mais efetiva", explica.
Ela acrescenta que o acordo também prevê "o desenvolvimento de soluções inovadoras para segurança pública, que serão objeto de editais específicos, seja com startups, seja com empresas de tecnologia. Tal escopo será desenhado durante a parceria, a partir de problemas a serem identificados pela Polícia Federal durante o trabalho realizado nas fronteiras".
Segundo Mendonça, o Projeto Mitra Nacional terá início nas fronteiras dos estados referidos em 2026.
Inteligência é o suficiente para combater a insegurança nas fronteiras?
Em entrevista à Sputnik Brasil, João Jarochinski, professor de relações internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Fronteiras (Ppgsof), da Universidade Federal de Roraima (UFRR), afirmou que é natural que a Polícia Federal procure mecanismos tecnológicos de controle.
Entretanto, ele ressalta o tamanho das fronteiras brasileiras e o número baixo de servidores designados para atuar nessas áreas.
"Em Roraima, na fronteira entre Brasil e Guiana, o número de servidores é baixíssimo. […] O mais preocupante é que, mesmo com a tecnologia, algumas atividades você não consegue substituir. Ela é um auxílio, mas ela não pode ser o único mecanismo de combate. Nisso, a gente continua com o mesmo tipo de problema que a gente tem historicamente, que é a baixa presença estatal nas fronteiras."
No caso das fronteiras de Roraima com a Venezuela e a Guiana, além do contingente aquém de profissionais, o analista conta que boa parte dos profissionais está relacionada às dinâmicas de acolhimento, de produção de documentação migratória, que é competência da PF.
O especialista salienta que o estado, além da questão da migração, lida com problemas relacionados ao garimpo e ao tráfico de drogas. "Nos últimos anos, o que tem aparecido mais são essas lógicas de crimes ambientais, crimes relacionados à garimpagem, além, obviamente, de ilícitos de natureza transfronteiriça."
Jarochinski destaca também que as dificuldades não estão relacionadas ao empenho da corporação, mas às condições de trabalho.
"O que a gente percebe é uma dificuldade, obviamente, por conta do tamanho. É uma superintendência pequena. Alguns anos atrás, ela era a segunda menor; ela andou aumentando. E tem muitas dessas questões, que a gente fala de mutirão, que vêm grupos para tentar desenvolver algumas coisas, mas, mesmo com a tecnologia da parceria, o que você percebe é que ainda há uma demanda por mais recursos em relação ao trabalho que é efetuado", descreve.
Em relação à aplicação de medidas tecnológicas, o analista defende uma perspectiva menos dominante de certos grupos sobre a informação e melhora na produção de dados. "É um pouco do dilema que a gente tem, em termos de segurança pública, que é essa lógica: há gente fazendo investigações e produzindo informações, mas muitas vezes essas informações não conversam."
Outra sugestão ressaltada por ele tem a ver com o fluxo de pessoas, atividade que já faz parte, de certa forma, da rotina da PF. Para Jarochinski, um controle de bagagem tal qual o realizado em aeroportos, com detectores, poderia ser utilizado nas principais estradas que ligam o estado aos países vizinhos.
Ainda assim, ele ressalta que o desafio do Brasil é imenso e que apenas o auxílio da tecnologia não será suficiente.
"Essa dinâmica de controle efetivo da fronteira… Se você pensar, um país muito mais rico que o Brasil, os Estados Unidos, que têm duas fronteiras apenas, sendo que […] basicamente uma é tema de preocupação, que é a do México, com um efetivo muito maior na fronteira, eles não conseguem controlar tudo. Não sei, me parece um tanto quanto exagerado pensar que um controle de fronteira efetivo possa ser colocado."