Panorama internacional

Análise: proposta para recriar Grã-Colômbia é reação a um mundo cada vez mais personalista

Ao podcast Mundioka, analistas destacam que o desejo de integração regional que move a proposta do líder colombiano, Gustavo Petro, visa blindar sul-americanos de intervenções dos EUA e do enfraquecimento do direito internacional.
Sputnik
O presidente colombiano, Gustavo Petro, anunciou em diversas ocasiões seu sonho de revitalizar a Grã-Colômbia — país que existiu no início do século XIX e abrangia os atuais territórios de Colômbia, Venezuela, Equador e Panamá.
O último comentário sobre o tema foi em resposta aos ataques norte-americanos a embarcações no Caribe e no Pacífico que já mataram 83 pessoas, acusadas de narcotráfico pelo presidente estadunidense, Donald Trump — embora não tenham sido apresentadas provas.
Petro afirmou nas redes sociais que a união regional pode ser a única maneira de contrariar novas agressões dos EUA, que intensificaram a pressão sobre Caracas e Bogotá.

"O caminho da Venezuela é a liberdade política e a soberania plena. Ao povo venezuelano e a todas as suas forças, propusemos um sistema de maior integração política, social e econômica, em uma confederação da Grã-Colômbia de nossos tempos", disse o presidente colombiano.

Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, Andrés Londoño, doutor em ciência política e professor de relações internacionais da Universidad de La Salle (Colômbia), explica que a Grã-Colômbia foi um projeto de Simon Bolívar que tinha como objetivo a integração regional para que os países sul-americanos pudessem fazer contrapeso a outras potências do mundo.
"Era uma federação de nações, uma união política e econômica que acabou pelos interesses particulares das lideranças de cada um dos países. E também porque a Grã-Colômbia estava muito centralizada, tinha muitas lideranças, líderes políticos que eram contra que tudo se concentrasse em Bogotá."
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Ele destaca que, caso concretizada, a revitalização da Grã-Colômbia teria um impacto muito importante na região.
"Porque os países conseguiriam ter um maior peso econômico, e também por estarem entre as principais economias da região. […] Acho que qualquer aliança que seja feita por parte dos países encaminhados a fortalecer a integração é um contrapeso que seria feito às grandes potências."
Londoño afirma que o distanciamento da Colômbia dos EUA é um exemplo de que a relação entre Washington e os países sul-americanos passa por uma "etapa de transição". Ele observa que a Colômbia, país que tem um tratado de livre comércio com os EUA e sempre teve a política externa condicionada pelos interesses norte-americanos, hoje se aproxima da China e de países do Oriente Médio.
Em paralelo, ele aponta que o Panamá, que também sempre teve uma relação próxima com os EUA, tem questionado os ataques a embarcações no Caribe e dito que não vai apoiar nenhum ato hostil dos EUA contra a Venezuela.

"Essas intervenções militares que tem feito o governo de Trump abrem novamente esse medo de intervenção dos EUA na América Latina, mas também abriram um debate entre os presidentes sobre o que fazer e quais seriam os mecanismos que tem a região para reagir perante essa maior atividade militar."

No entanto, ele afirma que o maior desafio para uma integração regional como deseja Petro seria a inclusão da Venezuela. Ele frisa que o país seria um dos mais beneficiados por qualquer projeto de integração regional, mas aponta a possibilidade de resistências.
"A gente tem que lembrar também, por exemplo, quando a Venezuela foi expulsa do Mercosul e não conseguiu entrar de forma efetiva nesse organismo."
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Ele acrescenta que a principal líder oposicionista da Venezuela, María Corina Machado, "lidera uma oposição que defende mais Trump que a integração regional".
Andrew Traumann, professor de relações internacionais da Unicuritiba e escritor, afirma ao podcast Mundioka que as propostas de integração, como a recriação da Grã-Colômbia, são "uma forma de tentar fortalecer a região em um momento de tensão muito grande".

"A gente tem assistido a um enfraquecimento muito grande do direito internacional, das organizações internacionais de uma forma geral. Cada vez a política internacional tem se tornado mais personalista. A gente está vendo muito tudo baseado nas decisões de uma ou outra pessoa."

O analista sublinha que o governo colombiano sem dúvida está preocupado com as ações dos EUA no Caribe e no Pacífico, pois Trump já incluiu Petro na situação, chamando-o de "narcotraficante", e o líder norte-americano não se preocupou em apresentar provas de que os barcos atacados de fato eram usados para o tráfico internacional de drogas.
"Tem uma violação flagrante do direito internacional, […] você nem sabe quem são aquelas pessoas. E é uma situação estressante, extremamente complexa."
Traumann aponta ainda que há os problemas internos enfrentados por Petro, principalmente pelo fato de ele ser o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia.
"Ele faz um bom governo, só que ele encara uma série de obstáculos. Isso desde o primeiro dia. Ele vem com essa pecha de ser uma pessoa de esquerda […]; isso é pesado na Colômbia. Mais pesado do que no Brasil, porque, devido às FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia], o colombiano médio identifica a esquerda com guerrilha. Então ser de esquerda é ser pró-guerrilha, já vira traficante também etc…"
Ele avalia que a Venezuela, embora seja um vizinho que não teve uma relação muito boa com governos colombianos anteriores, hoje tem trânsito na Colômbia de Petro.

"O Iván Duque [ex-presidente colombiano] chegou a romper relações com a Venezuela. Mas a gente sabe que essa questão da Grã-Colômbia é mais uma questão de integração regional, […] de afinar o nosso discurso em relação à autonomia da região, em relação à não intervenção norte-americana, em relação a temas que são sensíveis para nós, como direitos humanos, economia verde etc."

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