O Brasil tem 16 mil km de fronteiras terrestres e uma zona de influência direta que o Itamaraty chama de "entorno estratégico": Amazônia continental, Atlântico Sul, Cone Sul e países vizinhos. Essa área concentra desafios como tráfico transnacional, presença militar estrangeira, disputas por recursos naturais e pressões ambientais. Ao mesmo tempo, é onde o Brasil projeta seu poder — energia, infraestrutura, defesa e integração regional.
Enquanto o Brasil é a referência continental da região, a disputa geopolítica entre potências estrangeiras e tensões sobre fronteiras terrestres – lembrando o caso entre Venezuela e Guiana pela região de Essequibo – põem em risco a posição de liderança do país, sua soberania e a união de seus vizinhos latino-americanos. Ações coercitivas, como dos Estados Unidos sobre a Venezuela, desestabilizam o continente e põem o Brasil em estado de alerta para proteção de suas fronteiras.
No episódio desta quinta-feira (18) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, o assunto é o entorno estratégico brasileiro e a multipolaridade atual dos países da América do Sul. Entrevistamos Guilherme Frizzera, mestre em ciências em integração da América Latina pela USP, doutor em relações internacionais pela UnB, professor e coordenador do curso de relações internacionais na Uninter.
Para Frizzera, a melhor maneira de o Brasil fortalecer o controle de suas fronteiras viria de três pontos principais. O primeiro seriam recursos financeiros para garantir sua segurança, com o professor ressaltando a necessidade de realocação de um aparato de defesa para a região fronteiriça brasileira.
No segundo ponto, o professor aponta um maior controle de Inteligência e reforço na cibersegurança. "Não apenas ter imagem de satélites, mas também ter softwares, algoritmos, inteligência artificial, para que pudesse interpretar aquelas imagens e fornecer uma resposta mais rápida e mais adequada".
E, no terceiro ponto, uma articulação envolvendo as Forças Armadas, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ibama e os povos originários presentes nessas regiões em reposta à imensa fronteira brasileira e
à atuação de organizações criminosas que transitam muitas vezes livremente nas fronteiras.
Embora não haja perigo de perder territorialidade para vizinhos sul-americanos, o Brasil deve se preocupar com
os discursos de autoridades políticas que queiram transferir parte da soberania nacional a agentes externos, diz Frizzera, dando como exemplo os Estados Unidos e seu presidente, Donald Trump.
O podcast também entrevistou João Claúdio Pitillo, analista internacional, professor de história e pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas (Nucleas) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do projeto "Geoestratégia Estudos". Pitillo ressalta a dependência brasileira de equipamentos militares por parte da Europa, EUA e Israel, além de destacar que estes são os maiores competidores que o Brasil tem na esfera econômica e geopolítica.
"Nós precisamos imediatamente desenvolver um complexo industrial militar que nos atenda. E mais: o Brasil tem capacidade para fornecer esses equipamentos para a América Latina e para a África. Por quê? Nós conseguiríamos produzir coisas boas, de qualidade a nível referência, num preço muito menor do que essas grandes potências", explica Pitillo. "Nós temos já o know-how na área industrial, temos matéria-prima e temos mão de obra sobrando para esse tipo de coisa. Então, você pega as universidades, pega as Forças Armadas e cria aí as chamadas 'joint ventures', entre as universidades, empresas públicas e as forças armadas, começa a fabricar isso, vende aqui para os nossos vizinhos, vende para os nossos irmãos africanos, faz caixa e cria um produto nosso."
O professor pontua que o Brasil "
parou de pensar estrategicamente" após o golpe de Estado de 1964 para instauração da ditadura militar brasileira. Segundo ele, o país tem como doutrina de defesa nacional o vigiamento de organizações criminosas do tráfico de drogas enquanto, na sua percepção, deveria se preparar para Estados estrangeiros, como Estados Unidos, França e Reino Unido. Pitillo pontua
a natureza colonialista desses países, incluindo as ações hostis dos Estados Unidos como
confisco do petróleo venezuelano no Caribe.