Análise: EUA miram a Venezuela para atingir economia e diplomacia da China na América Latina
20:18, 29 de dezembro 2025
Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas afirmam que o objetivo dos EUA ao coagir militarmente a Venezuela é excluir a China da América Latina e recolonizar a região.
SputnikOs Estados Unidos intensificaram a pressão militar contra a Venezuela. No último fim de semana, o presidente estadunidense,
Donald Trump, afirmou que militares norte-americanos destruíram
"uma grande instalação" na Venezuela.
Sem dar mais detalhes da instalação ou local do ataque, a fala sinalizava ligação com a ofensiva militar dos EUA na Venezuela sob a alegação de combate ao narcotráfico, empreitada classificada pelo presidente venezuelano, Nicolás Maduro, como tentativa de exercer "domínio colonial" sobre o país e o petróleo venezuelano. Trump, de fato, vem convidando petroleiras norte-americanas a retornar à Venezuela, embora não tenha anunciado o petróleo do país como um de seus objetivos.
A ofensiva dos EUA na Venezuela gerou apreensão no mercado global de petróleo, com o temor de que o cenário volátil faça saltar os preços da commodity, uma vez que a Venezuela detém a maior reserva de petróleo do mundo.
Há ainda a suspeita de que o verdadeiro objetivo da ofensiva dos EUA seja a China, principal compradora do petróleo venezuelano, que nos últimos anos ampliou sua presença e influência na América Latina.
À Sputnik Brasil, Carolina Pedroso, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), afirma que há risco de escalada nos preços do petróleo, e diz que "os efeitos já estão sendo sentidos com o aumento do preço do barril".
"Por ser um produto com demanda inelástica, cuja procura se mantém a despeito da quantidade ofertada no mercado, qualquer dificuldade de acesso repercute nos valores. Uma ressalva é que a Venezuela, embora contenha a maior reserva petrolífera do mundo, não tem níveis de produtividade tão elevados, mas ainda assim a interrupção do fornecimento causa preocupação em quem precisa adquirir esse produto e gera apreensões no mercado", destaca Pedroso.
Pedroso também diz não haver dúvidas de que
a China é um dos alvos dos EUA, e lembra que
o país asiático, desde 2013, é o principal parceiro comercial da Venezuela e um dos sócios confiáveis de Caracas para manter a economia funcionando, "não só no comércio, como forma de substituir a enorme dependência da relação bilateral com os EUA, mas como fonte de financiamento".
"Além da dimensão geopolítica, produzir esse bloqueio naval contra o petróleo venezuelano atinge diretamente o fornecimento do mercado chinês e pode ser interpretado como um gesto que compõe a guerra comercial dos EUA contra qualquer ator que eles considerem seus competidores."
A opinião de Pedroso é compartilhada por Williams Gonçalves, professor de relações internacionais aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).
Ele afirma que a China não depende exclusivamente do petróleo venezuelano, mas ainda assim 80% das importações da commodity do país vêm da Venezuela.
"Por enquanto isso não aconteceu, mas uma intervenção militar, como anunciada pelo presidente Trump, embora não seja provável, a invasão tem sido usada como um instrumento de pressão, certamente irá alterar o comportamento do mercado do petróleo", explica.
Ele acrescenta que os EUA já compreenderam e aceitaram a dinâmica da multipolaridade do sistema e da estrutura internacional, mas não admitem perder a corrida econômica e tecnológica para a China tampouco perder a América Latina como sua área de influência para Pequim.
"Os EUA não podem se apresentar, não podem funcionar como um polo de poder, sem o controle sobre a América Latina."
Gonçalves afirma que, na avaliação de Washington, todas as riquezas, as matérias-primas existentes na América Latina, devem estar disponíveis para os EUA, o que não acontece atualmente.
"Elas não estão disponíveis para a potência norte-americana, porque há uma intensa participação da China na economia dos países latino-americanos. Então, retomar o controle da América Latina não é apenas uma questão política. [...] Significa privar a China dos recursos que estão na América Latina", afirma.
Para reverter esse cenário, avalia o analista, ter o controle sobre a Venezuela é fundamental para os EUA, pela posição geoestratégica do país no Caribe e por ser uma fornecera de matéria-prima e petróleo.
"Então, no projeto norte-americano de Trump, de fazer a América grande novamente, é indispensável ter o controle sobre o petróleo da Venezuela. [...] A questão ali é, pura e simplesmente, remover Nicolás Maduro do poder, entregar o poder à oposição, que, por sua vez, entregará toda a economia para os EUA. Isso seria uma vitória muito importante para os EUA e uma derrota para a China."
Ele afirma que a pressão que os EUA fazem hoje sobre a Venezuela é a mesma sobre todos os outros países da América Latina, excluindo apenas o componente militar.
"Todos estão sendo assediados para voltar para os braços dos EUA, se alinhar com os EUA. Alguns não há necessidade de pressão, esses correram para os braços dos EUA, como é o caso da Argentina, de [Javier] Milei, da Bolívia, do Chile e outros países do continente."
Para o analista internacional, professor de história e pesquisador do Núcleo de Estudos das Américas (Nucleas) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do projeto "Geoestratégia Estudos", João Claúdio Pitillo, as ações dos EUA na Venezuela são "irresponsáveis" e colocam em risco não apenas a sociedade venezuelana, mas também o comércio mundial.
"Se os EUA continuarem com essas ações corsárias de impedir a Venezuela de vender o seu petróleo livremente, isso sim pode provocar uma crise no fornecimento do petróleo a nível mundial, uma elevação do preço do produto, isso pode desencadear também uma disparada dólar e fomentar crises em vários países ao mesmo tempo no mundo", analisa.
Ele afirma que a Venezuela, além de ser um país postulante ao BRICS, é um parceiro importantíssimo para a China no fornecimento de petróleo. Segundo o historiador, ao atacar a Venezuela, o governo norte-americano mira Pequim e o desenvolvimento industrial chinês, que estão intimamente ligados.
"Todos sabem que a Venezuela não tem a menor capacidade de ameaçar a segurança dos EUA e nem é interesse do governo Nicolás Maduro criar qualquer tipo de problema para os EUA. E essa ação contra Maduro visa atingir a China, não só a Venezuela, mas o alvo prioritário é combalir o fornecimento de petróleo à China."
Pitillo afirma que os EUA têm como objetivo excluir três países da América Latina: China, Rússia e o Irã.
"Quer excluir não só suas relações comerciais, mas também a sua diplomacia. E dentre esses três países, o prioritário é a China. A força que a economia chinesa desembarcou na América Latina na última década vem assustando os EUA, porque a China é capaz de competir com os interesses estadunidenses na América Latina formulando parcerias de ganha-ganha, parcerias justas, parcerias onde a América Latina ganha, como nunca ganhou nas relações com os EUA."
Segundo ele, a exclusão completa da China da América Latina abre margem para os EUA recolonizarem a região.
"O interesse dos EUA é a parte da dominação, da subordinação da América Latina, e na qual eles privilegiam elites que vão consagrar o alinhamento automático. A China não trabalha assim. A China, a partir da sua engenharia social, ela oferece para a América Latina parcerias vigorosas e lucrativas. Isso é uma ameaça para os EUA", explica.
China pode apoiar militarmente a Venezuela?
Para Pedroso, as recentes declarações da China em apoio à Venezuela e
condenando os ataques dos EUA são importantes porque demonstram o descontentamento de Pequim com as ações unilaterais dos EUA, mas
"há limites para o quanto elas podem ser decisivas para mudar o rumo das coisas".
"Por isso tem sido bastante pertinente a postura venezuelana de levar essa pauta nas esferas multilaterais, especialmente no Conselho de Segurança da ONU, no qual essas posições de China e Rússia, por exemplo, ganham um peso maior por serem atores com poder de veto", afirma.
Ele avalia que a empreitada de Trump na Venezuela visa testar os limites da influência da China na América Latina.
"Não só os limites, mas a própria inserção pacífica da China que está consolidada em suas diretrizes de política externa, em que até mesmo em seu entorno estratégico mais imediato o uso da força direta é evitado ao máximo. Na América Latina seria ainda mais improvável uma ação direta da China nesse sentido."
Gonçalves afirma que a China baseia toda a sua estratégia de expansão de poder e formação de aliança na defesa da soberania e desenvolvimento do Sul Global, mas não acena nem nunca acenou com a possibilidade de apoio militar.
"O apoio chinês é econômico, é político, é moral, mas não é militar. E no caso da América Latina, trata-se de um cenário geográfico muito distante da China, do outro lado do mundo, de modo que é muito difícil imaginar a China sendo arrastada para uma guerra contra os EUA, tendo como motivo a ação dos EUA na América Latina."
Pitillo afirma que a China tem duas maneiras contundentes de defender a Venezuela: fornecer armamentos ou usar seu poder de persuasão diplomático.
"A diplomacia chinesa tem uma ascendência muito forte entre as lideranças estadunidenses e ela precisa intensificar essas ações diplomáticas. E a China é um dos países que tem poder a nível diplomático de dissuadir os EUA a continuarem com as suas ações visando desestabilizar a Venezuela", aponta o especialista.
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