Entre outras considerações, Eduardo Heleno analisa a chegada dos investimentos chineses, capazes de aquecer as economias dos países do bloco sul-americano.
Sputnik: O que pode se esperar do Paraguai na presidência do Mercosul, e que reflexos isso trará para seus países-membros, Brasil, Argentina, Uruguai e Venzuela?
Eduardo Heleno: Eu acho que a principal questão que se avizinha nesse semestre é a aproximação entre o Mercosul e a União Europeia. Devemos lembrar que essa aproximação já tem sido feita desde 2010, mas faz parte de toda uma política de abertura comercial naquela direção. É um projeto que vem desde 2000, um projeto antigo, mas que se atrasou devido à própria dinâmica dos países da região. Nós tivemos uma crise na Argentina em 2001. Tivemos uma mudança do perfil dos presidentes da região do Mercosul, ou seja, a partir de 2002, tivemos a esquerda, o PT, o Lula, que teve continuidade agora com os dois mandatos da Dilma. Tivemos na Argentina, em 2003, a ascensão de Nestor Kirchner e da família Kirchner, um peronismo voltado à esquerda. No Uruguai nós tivemos o Tabaré Vázquez e o José Mujica, e agora novamente o Tabaré Vázquez. Então, esses governos deram uma dinâmica um pouco diferente a essas negociações com a União Europeia, em especial a Argentina, que passou uma forte crise em 2001 e tenta se recuperar, mas ainda não se recuperou totalmente daquela crise.
Dos países do Mercosul, o Paraguai ainda tem uma outra característica. Devido à sua própria história, o Paraguai não tem relações comerciais institucionalizadas com a China, mas, sim, com Taiwan. Para o Paraguai a China tem outro perfil. Se nós temos aqui no Brasil o principal parceiro que é hoje a China e não o Mercosul, e na Argentina um dos principais parceiros é a China, o Paraguai não tem aquele mercado para vender seus produtos, em especial a soja e a carne. Então, para o Paraguai é importante a questão de ter a União Europeia como parceiro comercial.
Outra questão é: o Paraguai, ao ter a União Europeia como parceiro, pode ter lá seu maior saldo comercial, um saldo que tem sido prejudicado nos últimos dois anos devido ao baixo crescimento econômico do Brasil e da Argentina. Por outro lado, essa aproximação com a União Europeia também pode trazer problemas para o Paraguai, porque é ainda um país muito agrário, que tem desenvolvido uma indústria ligada a esse perfil de economia agrária, mas ainda muito incipiente. Então, em longo prazo você pode ter ali em relação a industrialização paraguaia e para os países do Mercosul como um todo.
S: O presidente do Paraguai, Horacio Cartes, é um dos empresários mais bem-sucedidos do país, dono de várias corporações e diversas empresas. Sob a sua liderança o Paraguai pode mudar esse perfil de país agrário e evoluir para o de país industrializado?
EH: Poder, ele pode, mas temos que lembrar que é um processo, e esse processo envolve vários anos. O Paraguai tem uma tradição agrária. A gente fala da independência, os 204 anos de independência do Paraguai [15 de maio de 1811]. Se a gente marcasse esse período de 204 anos, o Paraguai foi uma economia muito voltada à agricultura, com baixa industrialização, isso se refletiu até na formação de sua sociedade, na política interna. Apesar de Horacio Cartes ser um empresário que está disposto a fazer essa mudança, essa mudança é gradativa. Se, por um lado, uma possibilidade de aumento das relações com a União Europeia permitiria um aumento do saldo comercial e a vinda de investimentos, por outro lado poderia afetar gravemente o projeto da industrialização. Quando se tem uma economia ainda pequena, há uma tendência de se proteger, através das leis trabalhistas, a questão dos operários, para que se chegue a um determinado nível de desenvolvimento. Uma vez que esse nível de desenvolvimento consegue ter mais força dentro da sociedade, impulsionar um consumo interno e ficar menos vulnerável aos outros países, aí, sim, essa nação já com uma economia mais robusta, mais industrializada, mais forte também nos outros setores como serviços e agricultura, ela pode buscar fazer acordos de comércio.
O que acontece é que o PIB paraguaio hoje é da ordem de 54 bilhões de dólares, o da União Europeia é de 16 trilhões de dólares e, se a gente observa dentro do Mercosul, o PIB brasileiro chega a 2,5 trilhões de dólares. Então, já há uma assimetria muito grande, que é uma das fontes de preocupação do Paraguai. Mas se a gente compara União Europeia e Paraguai, essa assimetria é muito maior, o que pode afetar essa proposta de industrialização. E como ela se dará? Se for apenas trazendo indústrias, então o Paraguai pode ficar mais fragilizado, apesar de ter um crescimento econômico, que vai ser um crescimento econômico muito baseado numa assimetria. Por sinal, se olharmos a economia paraguaia nos últimos anos, vemos que ela cresceu com bons índices, mas isso devido às exportações que foram feitas para o Brasil e a Argentina.
Esse crescimento, essa possibilidade de união junto aos europeus tem que ser vista com muito cuidado ainda. O Paraguai tem que criar condições internas ainda para que possa ter uma indústria mais robusta, um nível de consumo interno mais robusto, para aí, sim, poder negociar. É claro que com a presidência do Mercosul nos próximos meses, caso não venha a ser feito um acordo com a União Europeia, o Paraguai também pode ter melhores condições de negociar dentro do bloco, uma vez que o próprio Brasil e o Uruguai têm se posicionado em relação à aproximação com a União Europeia, e aí há vários fatores que podem facilitar a vida do Paraguai dentro do Mercosul. Se ele já tem essa predisposição, pode-se ter também uma possibilidade de diminuir algumas resistências, em especial da Argentina.
S: O grande vetor, então, da presidência do Paraguai no Mercosul será essa aproximação com a União Europeia. E os Estados Unidos, como ficam com os seus tradicionais parceiros na América do Sul?
EH: É interessante observar que nós temos hoje uma nova dinâmica não só em relação a essa ascensão de políticos de esquerda no Mercosul, mas também temos uma outra dinâmica, que é a presença da China nas balanças comerciais desses países – exceto o Paraguai. De certa maneira os EUA têm tomado uma posição que é de mais aproximação.
Em relação à América Latina como um todo, essa aproximação foi vista na última Cúpula das Américas com a aproximação a Cuba, e com uma tratativa de tal maneira que em pouco tempo o embargo a Cuba seja eliminado. Mas aí nós temos um caso específico dos Estados Unidos em relação ao Mercosul, que é um outro país que está presente no bloco, e uma economia importante, que é a Venezuela. De certa maneira, os EUA têm mantido uma série de restrições à Venezuela, devido ao governo de Nicolás Maduro. Então, talvez este seja um implicativo em relação a ter uma maior aceitação para o comércio dos países do bloco. Já se falou, inclusive, que há uma intenção do Governo brasileiro ou do Governo argentino de aproximação com a União Europeia e com os EUA, em especial na hipótese de um novo Governo na Argentina, após a eleição presidencial de outubro. Para os EUA, a questão é se aproximar, não perder terreno, uma vez que a China está ganhando posições na América do Sul, e também manter sua influência, mas sob um novo tipo de aproximação. Tivemos em 2000 a tentativa da Alca [Área de Livre Comércio das Américas], que foi derrubada, e o Mercosul foi uma maneira de resistir a uma aliança de livre comércio entre as Américas. Agora, com as economias brasileira e argentina tendo uma queda, os EUA podem se aproveitar. Mesmo assim, têm que fazer outro tipo de dinâmica. Não é só se aproximar de Brasil e Argentina, mas também buscar, de certa maneira, eliminar ou diminuir a pressão sobre a Venezuela, que também faz parte do bloco. Ao analisar a presença dos Estados Unidos, temos que pensar agora em outro ator, que é a Venezuela, que faz parte do Mercosul, e não só no Paraguai, que é igualmente importante e não só por assumir a presidência.
S: No início da próxima semana desembarca em Brasília o primeiro-ministro da China, Li Keqiang, já trazendo uma parte significativa dos US$ 250 bilhões que o Governo chinês tem para aplicar na América Latina. Diante da intensificação do relacionamento da China com os países latino-americanos, os EUA de fato saem perdendo ou têm condições de se equiparar?
O próprio surgimento da sigla BRICS em 2001 permite que se vejam os países desse bloco como parte de uma nova configuração internacional. Os Estados Unidos vão perdendo um pouco da sua hegemonia, a China vem com seu comércio trazendo um novo crescimento em nível global, e o Brasil acaba também sendo afetado, mas até de uma maneira positiva, porque se olharmos o crescimento entre 2002 e 2010 veremos que o crescimento brasileiro se deu muito pela venda de commodities para a China.
Para os Estados Unidos, a questão da perda de influência vai ser vista não só em relação à América Latina, mas em relação a outros países, uma vez que a China é a grande exportadora do mundo atualmente. Uma coisa que é muito interessante de lembrar é que, desde o atentado do 11 de Setembro, os EUA voltaram suas atenções para o Oriente Médio, e isso permitiu que os países da América do Sul pudessem engendrar suas próprias políticas de desenvolvimento. A negação da Área de Livre Comércio das Américas permitiu o fortalecimento e de uma identidade muito clara de América do Sul, em contraposição até à de América Latina, e ao longo desse fortalecimento o Brasil se tornou um líder regional, que procurou estabilizar em várias questões a América do Sul, que foi buscar uma certa prosperidade regional e fazer diminuir a influência norte-americana.