Marcos Troyjo, professor da Universidade Columbia, dos EUA, e cofundador do BricLab, da mesma Universidade, responde a perguntas sobre a construção institucional do BRICS e analisa o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo Contingente de Reservas do BRICS em comparação ao Banco Mundial e ao FMI.
Marcos Troyjo: Nós tivemos uma fase do acrônimo original BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – que foi muito marcada pela performance econômica desses quatro países, a partir de um estudo feito por Jim O'Neill, economista-chefe da área de administração de ativos do Banco Goldman Sachs. Ali nós observamos uma projeção do que se acreditava ser o crescimento econômico dessas nações que legitimaria a tese de que, por volta do ano de 2040, uma parte importante da economia global iria ser determinada pelos rumos de Brasil, Rússia, Índia e China. Essa primeira fase do conceito BRICS é o que eu chamo de BRICS 1.0. Desde os últimos oito anos começaram gestões para que esses quatro países – mais tarde juntamente com um representante do continente africano, a África do Sul – não apenas fossem uma classe de ativos a ser examinada pelos analistas e investidores internacionais, mas também um processo de construção institucional de modo a permitir uma ordem econômica mais multipolar. E é nesse marco, que eu chamo de BRICS 2.0, ou seja, esse processo de construção de novas instituições, que se realizou agora a Cúpula de Ufá. Os BRICS caminharam bastante, criaram um Banco de Desenvolvimento que nasce com um capital de 100 bilhões de dólares, instituíram um mecanismo de ajuda mútua caso algum desses países venha a sofrer uma crise de liquidez – o Arranjo Contingente de Reservas, que permite o redirecionamento de 100 bilhões para acudir um desses países caso eles tenham problema de caixa de curto prazo. Ou seja, é um avanço importante sobretudo se considerarmos que o G7, o grupo das nações supostamente mais industrializadas, se reúne há muitos anos e jamais conseguiu criar instituição alguma. Nessas áreas, sobretudo de financiamento e desenvolvimento, maior previsibilidade e estabilidade para a economia global, eu acho que os BRICS estão fazendo a sua parte.
MT: Não, não vejo. O FMI tem uma estrutura de capital muito maior do que o Arranjo Contingente de Reservas. O FMI tem uma tradição de socorro a países que não estão necessariamente vinculados a uma região demográfica, é um órgão mais abrangente. No caso do Banco Mundial, é inegável que o corpo técnico, a qualidade dos estudos feitos pelo banco é extraordinária, ali tem gente de muito boa qualidade, mas feliz ou infelizmente o Banco transmutou um pouco a sua vocação inicial de provedor de recursos para o desenvolvimento para ser apenas quase que um mecanismo de alívio da pobreza e também de geração de estudos para o desenvolvimento. Ele quase que funciona por vezes como se fosse uma universidade, um centro de estudos acadêmicos, sobre quais serão as melhores práticas para o financiamento do desenvolvimento. Capital em si, muito pouco. Aliás, os Bancos de Desenvolvimento da China e do Brasil, o BNDES, têm uma estrutura de capital muito mais robusta do que a do Banco Mundial. Aí, sim, é que eu acho que o Novo Banco de Desenvolvimento não é um competidor, mas vem criar outra alavanca que é importante para financiar desenvolvimento, mesmo porque ele se dá no contexto de uma família de outras instituições de financiamento do desenvolvimento, como é o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, o próprio Fundo da Rota da Seda, que estão aí a oferecer uma alternativa robusta aos mecanismos tradicionais de financiamento de desenvolvimento.
MT: Eu acho que vai depender muito do que estiver presente no plano de ação do Banco. Em primeiro lugar, embora a situação da Grécia seja muito delicada, ela ainda tem uma renda per capita média-alta. Na semana passada, quando houve a moratória grega, o comentário geral na imprensa internacional era de que pela primeira vez um país desenvolvido deixava de pagar obrigações – dava um calote – no FMI. Se o objetivo do Novo Banco que se organiza é para o desenvolvimento, ele não é um banco de socorro de liquidez. É pouco provável que uma situação como a da Grécia viesse a constituir um objeto de financiamento do Banco. Em terceiros países, em nações para além dos BRICS, muitos projetos de desenvolvimento podem aparecer e constituir oportunidades importantes até para projetos transnacionais.
É muito importante que nesses primeiros doze meses de operação da nova instituição alguns sucessos sejam realizados. É importante ter êxito logo no começo da operação para criar uma espécie de onda positiva em relação àquilo que o Banco pode oferecer. Seriam as duas prioridades. Ter alguns projetos que talvez não necessariamente devam ser tão grandes em escopo mas contem com uma boa chance de implementação, de sucesso. Isso será tanto mais útil para o mundo em desenvolvimento se ele vier a ser realizado por atores dos países BRICS mas não necessariamente no território deles. Temos um campo vasto na Ásia, na África e na América Latina, que também contemplaria os investimentos do Banco de Desenvolvimento do BRICS.