Sputnik: O Sexteto e o Irã anunciaram nesta semana a aprovação do acordo que leva à execução do programa nuclear do Irã. Era o acordo necessário, ou foi o acordo possível?
Fabiano Mielniczuk: O tema do Irã nuclear tem causado bastante rebuliço nas relações internacionais desde o começo dos anos 2000, principalmente a partir de 2003, 2004. Foi depois da invasão do Iraque pelos EUA que o Irã passou a fazer parte dos principais assuntos das relações internacionais. E a partir de 2006, quando o Conselho de Segurança das Nações Unidas começa a impor sanções econômicas ao país por não estar o Irã respeitando algumas resoluções e decisões da Agência Internacional de Energia Atômica. Eram medidas aprovadas pelo Conselho que envolvia inclusive a anuência da Rússia e da China. Impuseram algumas sanções econômicas como forma de pressionar o Irã a aceitar negociações para que houvesse garantias internacionais de que os processos envolvendo enriquecimento de urânio e o que estivesse relacionado ao uso do plutônio, que é outro material que pode ser utilizado na produção de bombas nucleares, na verdade seriam utilizados para fins pacíficos. E desde 2006, 2007, a intensificação das negociações que nestes últimos meses foram realizadas em Viena, na Áustria, e que levaram a este resultado anunciado pelo Presidente Barack Obama e também pelos outros líderes, membros permanentes do Conselho de Segurança – o P5, mais a Alemanha.
S: Formando o Sexteto.
FM: Foi uma negociação histórica. Algo que durante mais de 10 anos foi tido como um problema quase que insolúvel pelo menos teve um avanço. Os EUA, junto com a Rússia, a França, a Inglaterra, a Alemanha e a China, conseguiram negociar com o Irã e atrasar o processo de produção de uma bomba nuclear, caso o Irã tivesse essa intenção, em no mínimo 10 a 15 anos. Isso é uma coisa bastante louvável em termos internacionais da cooperação desses países. O que foi conseguido com esse acordo é que o Irã se comprometeu a enriquecer urânio a 3,5%, que é bem menos do que ele estava enriquecendo e não é suficiente para produzir uma bomba nuclear. Há também outra parte do acordo que diz respeito a algumas instalações nucleares iranianas que poderiam, a partir do urânio, produzir plutônio, que é outro material radioativo que pode ser utilizado na produção de uma bomba nuclear, e essas instalações foram transformadas em centros de pesquisa sem ter essa finalidade. Nesses dois vetores do urânio e do plutônio, os líderes mundiais conseguiram negociar com o Irã o comprometimento de que isso não vai ser utilizado para fins militares. Isso foi uma grande vitória. É claro que aconteceu uma contrapartida da comunidade internacional de reconhecer o direito do Irã de continuar enriquecendo urânio e de continuar desenvolvendo um projeto pacífico de uso de energia nuclear. E nesse sentido é que alguns países inimigos do Irã, como Israel e mesmo a Arábia Saudita, denunciaram o acordo como insuficiente, porque eles queriam que o Irã não tivesse direito a esse uso de tecnologia nuclear.
FM: O acordo, quando firmado, tem esse comprometimento do Irã em manter o enriquecimento baixo, em desativar esse processo envolvendo o plutônio também, mas ele tem uma contrapartida do Irã que aceita as vistorias da Agência Internacional de Energia Atômica de um modo que nunca tinha aceitado antes. O Presidente Obama disse que o acordo não está baseado na confiança, e, sim, na verificação que a Agência Internacional de Energia Atômica vai fazer no programa nuclear iraniano, incluindo a possibilidade de os funcionários da AIEA decidirem onde e quando querem fazer a verificação, e isso pode ser feito num processo de tempo bastante curto, de modo que não haveria possibilidade, segundo o Presidente Obama e a Agência Internacional de Energia Atômica, de o Irã estar escondendo elementos do seu programa nuclear. Essa é uma disputa interessante, porque vemos uma tensão que surge entre um aliado histórico dos EUA no Oriente Médio, que é Israel, e os EUA que estão tendo uma postura de tentar resolver um problema relacionado ao Irã para não entrar numa nova guerra. O Presidente Obama foi bastante claro quando disse que ou seria feito um acordo com o Irã ou os americanos deveriam se envolver numa nova guerra, que era o planejamento estratégico do Presidente Bush quando ele invadiu o Iraque, já tendo invadido o Afeganistão em 2001. A expectativa era que naturalmente haveria uma ação contra o Irã. Felizmente os rumos mudaram, a política interna americana mudou, o Presidente Obama chegou ao poder e agora foi o artífice deste acordo.
FM: A Rússia teve um papel muito importante neste acordo, e há uma controvérsia internacional entre os analistas sobre por que a Rússia desempenhou um papel tão importante. Porque todos nós sabemos que a Rússia está passando por um problema econômico relacionado a sanções que ela sofre do Ocidente e também relacionado ao excesso de oferta de petróleo no mercado internacional, muito por conta da produção da Arábia Saudita, aliada dos EUA. Isso tem causado impacto na economia russa, que é bastante dependente da venda de petróleo. Com o fim das sanções à venda de petróleo do Irã, a tendência é de que haja uma inundação de petróleo no mercado internacional e os preços baixem ainda mais, e isso prejudicaria a Rússia. Porém, em contrapartida, os russos apostaram num acordo nuclear com o Irã para poder vender tecnologia de uso pacífico nas usinas nucleares iranianas e também poder levantar embargos econômicos que o Irã sofria e melhorar o fluxo comercial entre os dois países, inclusive no setor de armamentos. Os russos estão jogando com essa outra dimensão econômica da parceria deles com o Irã. E há mais um elemento político: os russos acreditam que resolver o problema do Irã é fundamental para se criar uma coalizão internacional antiterrorismo para combater o Estado Islâmico (EI). E a ideia da Rússia é de que a partir de agora haja espaço de negociação entre Rússia, EUA e Irã para administrar a emergência do EI na fronteira do Iraque com a Síria, algo que até então não foi possível.
FM: Certamente. O Presidente Obama já se adiantou a esta possibilidade e tem utilizado os meios de comunicação nos EUA para explicar para a opinião pública a importância de esse acordo, na perspectiva da Casa Branca, ser ratificado pelo Congresso. É muito difícil fugir deste debate, porque estamos entrando em período eleitoral nos EUA, e nesse período sabemos que historicamente as posturas republicanas são muito duras com aqueles que eles consideram como sendo ameaças externas à soberania norte-americana e aos interesses americanos no globo. Dificilmente os republicanos vão facilitar as coisas para o Presidente Obama, mas ele já demostrou a intenção de ir fundo nessa discussão e, se for necessário, vetar as resoluções do Congresso a respeito do acordo que possam comprometer a sua implementação. Vamos ver o que vai acontecer. Nos próximos dias nós teremos muitos debates nos EUA.