Sputnik: O que significa esse périplo asiático do Ministro Mauro Vieira, e em especial este maior contato do Brasil com o Japão?
Marcus Vinícius Freitas: Não podemos esquecer – e é importante enfatizar – o aspecto de que a Ásia representa o futuro das relações internacionais e particularmente da questão do comércio mundial. Se nós notarmos que existe uma mudança de eixo do Atlântico para a Ásia, isso é importante em razão da existência de uma quantidade enorme de população, do crescente ganho do poder aquisitivo da região, e é importante que o Brasil pense no futuro fazendo projeções e parcerias nesse sentido. Nós embarcamos um pouco tarde nessa busca de firmar presença na Ásia. No caso do Japão, é um pouco diferente, porque o Brasil já tem uma história de 120 anos de relações diplomáticas – foram estabelecidas em 1895 –, um comércio bilateral que é grande e poderia ser maior, não fosse “custo Brasil”, que onera o produto brasileiro. E observamos também que é uma relação em que há japoneses brasileiros morando no Japão e há japoneses morando no Brasil. Esse fluxo de pessoas e mercadorias com o Japão já existe há algum tempo, e a questão é solidificar esta relação com vistas ao que queremos ter no futuro.
S: A presença do Ministro Mauro Vieira reforça a Parceria Estratégica Global lançada no encontro de 2014, em Brasília, entre o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, e a Presidenta Dilma Rousseff, que, em dezembro, irá ao Japão. Em que áreas Brasil e Japão podem estreitar sua cooperação?
MVF: Uma delas, principalmente, é a questão da transferência de tecnologia. Nós sabemos que o Japão tem uma capacidade inovadora muito grande, e o Brasil caminha a passos de tartaruga em relação àquilo que precisa fazer em matéria de inovação. Podemos também ter um incremento na área acadêmica para que brasileiros possam estudar no Japão, particularmente na área de Engenharia e em outras áreas em que o Japão tem uma tecnologia de ponta, para que possamos efetivamente promover o intercâmbio. Quando olhamos para aquilo que exportamos para o Japão, nós ainda transitamos muito naquela questão de commodities. Não há nenhum problema em exportar commodities, desde que você adicione valor a elas. São desafios que o Brasil tem. Mas uma relação bilateral com o Japão pode ser muito favorável no sentido de termos uma transferência maior de conhecimento nas áreas em que, justamente por não termos universidades consideradas de ponta nos rankings internacionais, sofremos esse grande desafio. É importante tomarmos medidas para resolver este problema.
S: No âmbito da visita do Ministro Mauro Vieira ao Japão: isto pode criar algum embaraço para a Índia e para a China dentro do terreno dos BRICS?
MVF: Se for bem trabalhada, a relação não deveria criar problema. Existem, sim, problemas políticos entre Japão e China. A relação bilateral dos dois é politicamente complexa, mas não podemos esquecer também que economicamente os dois têm agido em uníssono em algumas situações internacionais. O que o Brasil busca na relação é justamente o apoio à sua questão como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, e nesse processo o Japão estaria incluído. Sabemos que a China não teria interesse que o Japão fizesse parte disso. Se nós focarmos o discurso na parte econômica, no sentido de mostrar que é um parceiro importante já que temos uma comunidade de 180 mil brasileiros que moram no Japão, temos quase 60 mil cidadãos japoneses morando no Brasil. Se enfatizarmos no aspecto econômico, a China não deve criar problema. O problema será na hora que nós quisermos migrar da parte econômica para a parte política, e aí teremos que ter cuidado com a decisão: ao olharmos os principais parceiros de exportações e importações brasileiros, não podemos esquecer que, em 2014, a China tinha 18% e o Japão somente 3%. Temos que tomar cuidado para não deixar a parte política minar uma boa relação econômica. Tudo passa por uma análise estratégica de como a gente também cria um vínculo de dependência de cada um dos parceiros.