Sobre o conteúdo e as possíveis motivações desta matéria do jornal inglês, o especialista em BRICS e em Relações Internacionais Diego Pautasso, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing do Rio Grande do Sul, do Colégio Militar de Porto Alegre e da Unisinos – Universidade do Vale dos Sinos, falou com exclusividade para a Sputnik Brasil.
Diego Pautasso: Trata-se de um artigo nitidamente direcionado, com conteúdo ideológico muito claro de quem está tentando deslegitimar a iniciativa dos BRICS, e é aquela coisa de quem desdenha porque tem interesse e percebe a importância e a envergadura que o bloco possui. Para destacar as maiores iniciativas do organismo multilateral, sem sombra de dúvida o Novo Banco do BRICS e o Arranjo Contingente de Reservas representam, por exemplo, iniciativas de grande envergadura que redefinem a arquitetura financeira global no médio e no longo prazo.
S: As duas instituições citadas começam suas atividades com um capital inicial de 100 bilhões de dólares cada uma.
DP: Exatamente. Mas mais do que iniciativas importantes que os BRICS têm desenvolvido, tanto do ponto de vista financeiro quanto em diversas inciativas de cooperação bilateral entre seus sócios, ou mesmo o grande avanço do comércio intrabloco que foi notado, o artigo está meio enviesado porque é a famosa leitura do “copo meio vazio, meio cheio”. Ele identifica alguns elementos, alguns problemas pelos quais eventualmente Rússia, China, Brasil, África do Sul e Índia vêm passando e utiliza isso para chegar a uma conclusão, na melhor das hipóteses, apressada, e, na pior das hipóteses, como já comentei, ideológica. Ao mesmo tempo que ele destaca os problemas que os BRICS vêm apresentando, em nenhum momento cita que foram os países que mais cresceram no mundo na última década. Ele não cita que foram os países que mais eliminaram a pobreza. Não cita que o Brasil, por exemplo, foi citado pela ONU como um dos países que cumpriram as metas do milênio. E de outro lado ele fala disso como se a situação do centro do sistema mundial – no caso, Europa, EUA e Japão – estivesse às mil maravilhas quando desde 2008, sobretudo depois de 2011, os países estão numa situação econômico-financeira e social muito grave.
DP: É curiosa esta conclusão do autor porque a Índia é justamente o país que os EUA percebem como um freio potencial para a ascensão chinesa na Ásia, embora eu ache que a Índia é grande demais para se subordinar ao guarda-chuva político e diplomático dos EUA na Ásia e cumprir o papel de pião norte-americano. De todo modo ele afirma, de novo, as coisas de forma completamente parcial. Ele diz que a Rússia está envolvida em sanções mas não fala das respostas que a Rússia deu às sanções e da reafirmação diplomática que isso representou em termos globais, a presença da Rússia na América Latina e o fortalecimento das relações com a China. Ao constatar, por exemplo, que a desvalorização do yuan afeta a economia mundial, ele está provando o peso econômico que a China tem. Há 20 anos a moeda da China sequer era lembrada quando se falava de conjuntura econômica e política internacional. Hoje qualquer oscilação nas Bolsas e na moeda chinesa são monitoradas em escala global, justamente pela importância que o país tem. Afinal, em 2014 a China se transformou na primeira economia do mundo, medida em poder de paridade de compra. Acho que isso é bastante elucidativo da maneira como o autor aborda e de que a tentativa dele, entretanto, não é suficiente para frear o reordenamento de poder no mundo, que vem ocorrendo na última década.
DP: Interessa, primeiro, às potências antigas, que em alguma medida são consideradas potências decadentes, pelo menos do ponto de visto relativo, em face aos famosos emergentes; e de outro lado, mesmo dentro dos países que compõem o BRICS, sempre há segmentos da elite interessados com o velho alinhamento com as potências mundiais. Geralmente esses segmentos da elite acabam reverberando esse tipo de argumento de que os BRICS têm problemas, de que os BRICS são assimétricos, de que os BRICS não conseguem alcançar os objetivos propostos. Então faz parte também do jogo político doméstico, mas, sem sombra de dúvida, de todo um rearranjo de poder em escala global.