Aparentemente, esta é também a opinião do ministro italiano das Relações Exteriores, Paolo Gentiloni, que propõe “uma Europa em forma de dois círculos sobrepostos, em cuja intersecção pode haver uma moeda comum e condições para a integração de vários parâmetros, incluindo a cooperação militar".
A economia versus democracia
O historiador e comentador português Pacheco Pereira escreve no jornal i: “Há uma enorme falência da democracia em muitos países europeus suscitada pelas chamadas regras europeias. Há algo que pode ser entendido como irónico em relação ao projeto da denominada construção europeia: o espaço da soberania está a tornar-se mais compatível com a democracia que o espaço da integração europeia. A soberania nacional ao oferecer um espaço nacional em que a discussão existe é fundamental para a permanência da democracia. Quando na Europa, de uma forma autoritária, sem que os povos tenham sido consultados, se estão a diminuir poderes de parlamentos, a impor em tratados limites orçamentais e a considerar que há votos de primeira e votos de segunda, gera-se um encolhimento preocupante da democracia”.
Presidenciável
A Sputnik falou em exclusivo com Paulo de Morais, político e candidato às eleições presidenciais portuguesas, que terão lugar em janeiro próximo, a quem pedimos que comentasse a posição do ministro italiano Paolo Gentiloni sobre o futuro da União Europeia.
“Eu sou completamente contra esta proposta do ministro Paolo Gentiloni e, de alguma forma, do governo italiano. Talvez se perceba, do ponto de vista geoestratégico, para a Itália, que queiram ganhar um lugar no espaço europeu, isso é compreensível depois de tantos anos de predominância do eixo franco-alemão, é compreensível do ponto de vista das relações internacionais que a Itália queira recuperar o protagonismo que já teve na vida europeia. Enquanto comentador eu compreendo isso, agora enquanto ator político português eu estou radicalmente contra esta tentativa de juntar um pequeno grupo e, de alguma maneira, criar dois tipos de Europa. Uma Europa a duas velocidades é inaceitável do meu ponto de vista.
Tem havido ao longo dos últimos tempos, também na minha perspectiva, dois movimentos antagónicos na Europa. Por um lado, tem havido um movimento de alargamento que eu acompanho, que é compreensível e é de aplaudir do meu ponto de vista, mas tem havido simultaneamente um movimento de aprofundamento. Ora, alargar por um lado a novos países da Europa e aprofundar com novas características penso que é antagónico. Eu sou um defensor acérrimo do alargamento, das vantagens da Europa, nomeadamente no que tem a ver com o mercado único mas também no que tem a ver com a defesa dos direitos humanos, da liberdade. O alargamento desta Europa eu vejo com muito agrado.
Agora o aprofundamento na Europa de alguns aspetos, nomeadamente políticas comuns como a política agrícola comum, como as políticas de proteção às parcerias público-privadas que têm marcado muito as últimas duas décadas, já não sou tão defensor. Ou seja, eu defendo uma Europa não tão profunda mas mais alargada. O aprofundamento da Europa, ainda por cima se criarem dois tipos de países, dois grupos, isto acabará por ser um aprofundamento que valoriza e beneficia as grandes empresas, a grande finança, os países mais ricos. Foi assim com a política agrícola comum, que foi beneficiando os grandes latifundiários, nomeadamente em França e não só, foi assim com as parcerias público-privadas, que em muito beneficiaram algumas corporações alemãs com o apoio do Banco Europeu de Investimentos. Portanto, se houver no futuro uma Europa a duas velocidades vai ser uma Europa que vai aprofundar um conjunto de negócios em benefício do desenvolvimento e da riqueza dos países mais ricos, em detrimento de todos os outros. Ou seja, uma Europa a duas velocidades, tal como parece propor agora o ministro italiano Paolo Gentiloni, não será mais do que uma forma de os países mais ricos colonizarem os mais pobres e menos desenvolvidos. Por isso, eu estou radicalmente contra”.