“Infelizmente há uma grande ignorância a propósito da relação entre a Rússia e a Europa. Essa ignorância deve-se fundamentalmente a um grande desconhecimento, que não é apenas português, é um desconhecimento europeu. Diga-se, aliás, que muitos dos desenvolvimentos recentes da questão ucraniana se devem à ignorância sobre o cerne da questão e a importância geográfica e geoestratégica desta região”, disse na conferência o professor Oliveira Martins, ministro português da Educação em 1999 – 2000, ministro da Presidência em 2000 – 2002, ministro das Finanças (da Fazenda) em 2001 – 2002, presidente do Tribunal de Contas entre 2005 e 2015.
A Sputnik entrevistou em exclusivo o professor Guilherme d'Oliveira Martins sobre o papel da Rússia no momento atual.
Sputnik: A questão da Ucrânia é fulcral agora nas relações da Europa com a Rússia. Como vê esta questão?
S: O professor disse na sua conferência de hoje que era bom oferecer este livro a todos diplomatas europeus. Porquê?
GOM: Sim, todos os diplomatas europeus deviam ler este livro, porque é uma obra muito bem informada e que demonstra claramente que a Europa precisa de uma boa relação com a Rússia.
O papel da Rússia
O jurista e político português abordou na sua intervenção a questão do protagonismo da Rússia na atualidade.
“Nós temos que entender que o grande problema hoje na Europa, no Mediterrâneo Oriental, a causa, no fundo, da paz depende da compreensão do lugar e do protagonismo da Rússia no contexto europeu, eurasiático e do mediterrâneo oriental.
O livro começa por algo que é crucial: percebermos o papel, o lugar da Rus de Kiev na Europa. (…) Relativamente à Rússia moderna, a questão de Kiev é uma espécie de Guimarães para a História portuguesa (…) A Ucrânia de hoje é constituída por um território que, inequivocamente faz parte da matriz da cultura russa.
A relação da Rússia com a Europa é uma relação perfeitamente natural. Temos que perceber, pois, que não há Europa, não há geoestratégia europeia, sem a compreensão do modus vivendi com a Rússia, do lugar da Rússia nessa relação.”
O objetivo é “levar ao leitor português, de forma muito acessível, a história das relações entre a Rússia e a Europa desde o século IX até ao século XXI. Muitas vezes, as diplomacias europeias pecam por estarem convencidas que sabem tudo e que os outros é que têm que aprender. Chegam lá [ed: à Rússia] e tentam, digamos, impor os seus padrões e, às vezes, de forma completamente desastrosa. Nós, quando estamos a tratar a Rússia, estamos a tratar como um país com um grau de cultura muito alto. Nós não estamos a tratar de um país qualquer. O tratamento que foi dado à Rússia, principalmente depois da queda da União Soviética, fazia lembrar um pouco o comércio que se fazia nos primeiros tempos da colonização em África: levavam-se uns espelhinhos para trazer de lá ouro. Fazia-se dos russos pessoas que precisavam de ser educadas (…) Nesses anos, a Europa e os Estados Unidos humilharam os próprios russos. Nós muitas vezes desprezamos os parceiros, ‘o outro’, estamos convencidos que nós é que sabemos, nós é que temos a razão, esquecendo a grande riqueza cultural da Rússia. (…) Nós estamos a tratar com um povo que é um povo que tem bases sólidas que permitiriam e estou convencido que irão permitir esta aproximação com a Europa. Tentei mostrar que a Rússia não é o ‘urso feroz, agressivo e selvagem’, imagem frequentemente desenhada por alguns dos mais inflamados defensores dos chamados valores ocidentais. A Rússia tem que participar e, sem ela, nós não seremos capazes de defender os chamados valores europeus, que são a base da nossa civilização”, disse José Milhazes.