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Pílula do câncer: um tumor alojado na Saúde Pública

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Durante 25 anos o composto envolto em uma cápsula azul e branca foi distribuído pela Universidade de São Paulo, filial de São Carlos, para pacientes com câncer.

Os destinatários eram os enfermos com os mais variados tipos e estágios da doença. Muitos dos que tomaram as doses sugeridas — três pílulas três vezes ao dia — deixaram de sentir as dores lancinantes comuns e sumiram dos hospitais após a medicação. Sobre estes pouco se sabe. Outros tantos, porém, se recuperaram, deram retorno a médicos e colegas de tratamento e surpreenderam: não apresentavam qualquer sinal de tumor. Mas eis que, no segundo semestre do ano passado, a tal pílula entrou finalmente para o noticiário se transformando em debate nacional no campo da Saúde Pública. A razão? Por causa do aumento da demanda, a direção da USP decidira somente entregar a pílula a pacientes que estavam em estágio avançado do câncer e, por isso, tinham sido desenganados pela Medicina tradicional. 

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A crise gerada a partir deste momento foi contrária ao que pensava a direção universitária. Se a ideia era reduzir o número de entregas, o que aconteceu foi uma explosão da demanda. Com a grita causada na mídia, alguns portadores de câncer descobriram a existência da pílula. Resultado: Anvisa, governo de São Paulo, Tribunal de Justiça de SP, Indústria Farmacêutica e a mídia (TV Globo à frente) resolveram, todos, criminalizar a medicação que há anos aguardava uma análise mais profunda da Agência de Vigilância Sanitária para sua liberação definitiva. E foi esta razão que culminou com a sua proibição: 

Não havendo testes definitivos que confirmassem a eficácia do remédio poderia ser perigoso se fazer o uso. 

Mas aí, numa conta simples, o paciente de câncer descobria: se só poderei ter acesso à Sintética quando a Medicina me abandonar por falta de meios de oferecer a cura, por que não posso morrer tentando?

A pergunta jamais foi respondida. De lá para cá, milhares de pacientes que começaram o tratamento com a Fosfo se viram obrigados a abandoná-lo e houve casos de mortes. Afinal, quando o tratamento convencional nada mais podia oferecer, só restava ao paciente a morte. Com as dores inerentes ao câncer.

Já faz quase um ano que a polêmica envolvendo a Fosfo circula nas redes sociais, sites de Saúde e até o Supremo Tribunal Federal — que, em idas e vindas, já liberou o uso, proibiu e agora promete dar uma resposta definitiva em um mês.

Enquanto a Fosfo não chega, em caráter oficial, resta aos pacientes esperar — pelo comprimido ou morte:

— Sinto dores permanentes. Dores que nem mesmo a morfina consegue controlar. Me espantei quando há uma semana, depois de visitas permanentes ao hospital, disse para meu oncologista que achava que era hora de tomar este anestésico que só conhecia por filmes e dramas do cinema. Para minha surpresa, ele disse:

— Nathy, você já faz uso de morfina há um mês. E é a mais potente morfina de que dispomos — disse a modelo Nathy Estevam, há 15 anos lutando contra um câncer ósseo.

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Uma das principais lutadoras pela liberação da Fosfo, ela hoje passa seus dias nas redes sociais ora dando força a outros pacientes, ora atacando os pessimistas:

— Não podemos nos deixar abater — diz. Nathy é figura frequente no popular Programa do Ratinho, do SBT, que se transformou numa espécie de tribunal de defesa da Fosfo na TV.

Mas o caso dela não é único. Outro dia, um menino bonito e dos mais sensíveis, desistiu de aguardar o remédio e faleceu silenciosamente numa manhã de domingo. Roneilson, 13 anos, fez apelos via Youtube para que liberassem a Fosfo. As dores físicas comoviam a todos e ninguém entendia como poderiam negar-lhe o remédio que tem, como principal característica, reduzir a dor além do próprio tumor.

O menino partiu e deixou sua mãe, Maria Nazaré, sustentando a luta que era do filho mais velho:

— Acho injusto deixar a causa de lado. Até porque Roneilson tinha amiguinhos que continuam aguardando o remédio.

Hoje, num Brasil de Medicina ainda precária apesar do Programa Mais Médicos, conseguir internação em um bom centro hospitalar para uma enfermidade como câncer é quase um milagre.

São meio milhão de pacientes em tratamento e pelo menos a metade disso surge a cada ano especialmente com patologias de próstata, seios, pulmão e fígado. O SUS, que pode ser vítima da ação do governo interino que pretende promover cortes no orçamento, é a tábua de salvação desta gente.

Uma das razões que pacientes apontam para a resistência oficial ao medicamento azul e branco é seu baixo custo. R$ 0,10 ou dois centavos de dólar. Quase nada. O lucro de quem se aventurar a produzir, dentro deste patamar, será obrigatoriamente baixo. Um tratamento convencional de câncer, no SUS ou mesmo em clínicas privadas, custa em torno de R$ 80 mil — mesmo aos planos de saúde. 

— Assim, os médicos que se aparelharam para assistir pacientes com câncer não veem motivos econômicos para adotar a pílula — diz um dos pesquisadores da Fosfo que pede anonimato.

Deputado estadual pelo PDT do Rio Grande do Sul, Marlon Santos concorda com a tese, mas acha que não é tudo:

— Acredito que uma pressão dos laboratórios internacionais também esteja levando nossas autoridades a resistirem a um tratamento novo, popular e pouco rentável do ponto de vista econômico — revela.

Neste momento o laboratório de Ourinhos, em São Paulo, se dispõe a produzir. Mas, pelos cálculos desenvolvidos até agora, o valor da pílula terá que ficar em média a R$ 6. Com isso, as 540 pílulas terão custado ao final de seis meses de tratamento algo em torno de R$ 3.240. O valor é modesto se comparado ao tratamento convencional. Mas é fato que muita gente não tem condições de pagar este valor.

É o caso do agricultor Vitorio Osco. De origem tcheca, ele se instalou no interior de São Paulo ainda na infância, trazido pelos pais, onde se dedicou à lavoura de subsistência. Hoje aposentado, luta contra um câncer no pescoço e pâncreas. Conseguiu na Justiça comprar a Fosfo de Ourinhos. Mas o dinheiro só deu para uma fração do remédio necessário: 

— Só conseguimos pagar por 180 comprimidos ao preço de R$ 1.080 — disse a filha. Mas o drama não se resumiu a isso. Há dois meses aguardam o remédio que não chega. Rosângela teme que seu pai tenha sido vítima de um golpe. Desde que o remédio foi proibido surgiram casos de laboratórios de fundo de quintal vendendo uma falsa fosfoetanolamina sintética. Alguns intermediários afirmam que conseguem a medicação, pegam o dinheiro e desaparecem. 

Pílula pode ser produzida no exterior

Cansado de esperar por um estudo sério que viabilize a Fosfo, um dos seus principais defensores, o cientista Gilberto Chierice, disse em vídeo esta semana, que alguns países já estudam a fórmula desenvolvida por ele e outros cinco cientistas:

— Canadá, México e a Coreia do Sul estão interessados. Aqui no Brasil sabemos que não vamos avançar. Vemos, a cada dia, pacientes que poderiam estar sendo tratados, a baixo custo e sem dor, morrerem. Não podemos permanecer de braços cruzados — revelou.

Enquanto a Fosfo é criminalizada no país, outras drogas, estudadas em países desenvolvidos, são apontadas como portadoras de grande potencial de cura. Foi o caso da chamada "Vacina Universal" que é desenvolvida na Alemanha com supervisão de cientistas e laboratórios multinacionais. 

Os resultados de testes preliminares em humanos, junto com a pesquisa em ratos, foram publicados recentemente na revista Nature e sugerem que a nova técnica poderia ser usada para ativar o sistema imunológico de pacientes contra qualquer tipo de tumor.

Mas, se a droga é ou não algo a se comemorar, é cedo dizer. E a razão é simples: seus estudos consumiram U$ 120 bilhões nos últimos dez anos. Quanto vão cobrar como ressarcimento os pesquisadores da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz, na Alemanha? E quantos pacientes de hoje conseguirão esperar até a liberação da vacina?

No Brasil, de tantas religiões, entidades místicas e crença nas ervas medicinais, muita gente ainda se prende aos chás e tratamentos alternativos. Uma espécie de bálsamo para o espírito num momento em que o país parece abdicar, mais uma vez, da ternura no trato com as pessoas. 

Fábio Lau é jornalista.

A opinião do Autor não necessariamente coincide com a opinião da Redação.

 

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