Portugal tem hoje 10,4 milhões de habitantes, mas esse número diminui a cada ano. Além de ter uma população envelhecida onde morrem mais pessoas do que nascem, há uma recente onda de emigração eminentemente jovem que supera 100 mil pessoas anualmente. Projeções indicam que se nada for feito, a população portuguesa continuará diminuindo nas próximas décadas e pode chegar a pouco mais de 7 milhões de pessoas em 2080.
Não é preciso ser especialista em questões demográficas ou vidente para chegar à conclusão óbvia: se o status quo continuar como está hoje, em alguns séculos a população portuguesa pode desaparecer. O problema é visível em qualquer cidade do país. Quem visita Portugal pela primeira vez se surpreende com a quantidade de idosos, a ausência de crianças e jovens nas ruas e, inclusive, a troca de postos de trabalho por máquinas nos serviços mais básicos. É comum, por exemplo, se deparar com uma estação de metrô sem funcionários, na qual o bilhete do transporte público só pode ser comprado em uma máquina automática e, caso o estrangeiro precise pedir uma informação, a ausência de um ser humano é um empecilho recorrente.
O que dizem os números?
Mais além de conclusões oriundas da observação, os números denunciam que o problema é real. Em uma conta simplificada, somando os emigrantes portugueses com a diferença entre mortes e nascimentos, se observa que na última meia década Portugal vem perdendo algo em torno de 150 mil pessoas a cada ano. Em 2013, por exemplo, nasceram 82 mil crianças, enquanto o número de mortes de portugueses foi de 106 mil, resultando em um saldo negativo de 24 mil. No mesmo ano, 128 mil portugueses deixaram o país, a maioria jovens em busca de oportunidades de trabalho em outros países da Europa e da América. A taxa de natalidade de Portugal é a mais baixa da União Europeia (7,9 crianças por mil habitantes, inferior à de mortalidade que é de 10,2) e o país tem a quarta maior percentagem de idosos do grupo europeu.
O número de emigrantes vem crescendo nos últimos anos, num processo que é maior do que o registrado nos anos 60, quando muitos saíram do país por causa da Guerra Colonial. O pico de saídas naquela época foi registrado em 1966: 120 pessoas deixaram Portugal. Nos demais anos da mesma década, o número foi um pouco menor (1961: 32 mil; 1962: 32 mil; 1963: 33 mil; 1964: 39 mil; 1965: 89 mil; 1966: 120 mil; 1967: 92 mil; 1968: 80 mil; 1969: 70 mil).
Para o professor Elísio Estanque o mais recente fluxo migratório de portugueses é motivado por questões que derivam da crise econômico-financeira que o país vive desde 2011. "É igualmente verdade que ao longo da história do país se verificaram diversos ciclos que espalharam muitos milhares de portugueses pelo mundo, a começar pela era colonial e das chamadas 'descobertas', sendo que, essas marcas continuam presentes em todos os continentes, mesmo nos casos em que (como na Índia, China e oriente), culturas e línguas muito diferentes da portuguesa ainda hoje preservam vestígios significativos dessa presença portuguesa no mundo. Ou seja, para além de motivações econômicas – associadas à falta de emprego, à pobreza e ao atraso do país, como no século XIX ou na década de 1960 – é possível que essa herança, de uma 'subjetividade aventureira', digamos, tenha um efeito de contágio que se foi transmitindo através das gerações. Cada geração carrega nos ombros o legado do que as precederem (como disse 'alguém'…)", comenta o sociólogo.
O atual governo de esquerda tem promovido medidas de incentivo à natalidade e de combate ao desemprego. No entanto, segundo o professor Elísio Estanque, essas ações tiveram até agora "efeitos muito escassos". O próprio governo admitiu no Relatório da Emigração elaborado no ano passado que Portugal é "de novo, um país de emigração". Para eles, os motivos são a chamada crise das dívidas soberanas e os efeitos recessivos das políticas de austeridade implantadas a partir de 2010.
"O essencial está associado ao fraco desenvolvimento/crescimento da nossa economia. Mas o problema tem de ser enfrentado pelos países da UE27 no seu conjunto ou então a opção de saída começa a colocar-se (sobretudo agora, depois do 'Brexit'). Porém, entendo que Portugal (tal como a Espanha, a Grécia, a Itália e mesmo a França) deve continuar a lutar dentro da UE pelas reformas estruturais que são urgentes para que a Europa retome o seu rumo de progresso. Um modelo 'nacional' de desenvolvimento, num cenário de implosão do projeto europeu ou uma saída unilateral não se coloca no caso de Portugal (pelo menos no curto prazo)", comenta.
Quem são e o que pensam os emigrantes?
São portugueses como o jovem Manuel Pereira, 26 anos, que há um ano e meio, após concluir graduação em estudos portugueses e mestrado em ensino de português e espanhol, mudou-se para Zurique, na Suíça, para "tentar a sorte" e hoje trabalha em um restaurante. Em entrevista à Sputnik ele conta que deixou Portugal devido à falta de qualidade de vida, ausência de oportunidades e "um sentimento de revolta com a sociedade portuguesa que me parece adormecida e estagnada".
"Penso todos os dias em voltar, mas também quero provar a mim mesmo que sou capaz de ter uma vida melhor, de aprender alemão, de me integrar. Voltaria só com uma boa proposta de trabalho. Se algum dia existir, não olharei para trás", conta Manuel. "É super legítimo querermos procurar emprego na ideia de Europa que nos foi vendida. No entanto, é clara a xenofobia, a discriminação e, em última instância, o racismo nas mais pequenas coisas do dia a dia. Viemos pressionar os salários para baixo, as televisões mostram os portugueses pelo mundo que vivem bem e são bem-sucedidos, esquecendo-se que a maioria dos casos vive na realidade oposta", explica.
O Reino Unido é o principal destino dos jovens portugueses que buscam melhores condições de vida e trabalho. São, sobretudo, profissionais da área da saúde que vão suprir uma carência local de médicos e enfermeiros após não serem absorvidos pelo mercado de trabalho português ou considerarem os salários pagos em seu país muito baixos. Dados do Department for Work and Pensions indicam que o número de entradas de portugueses no Reino Unido regista desde 2000 um aumento contínuo, mais pronunciado e significativo a partir de 2010. Apenas no ano passado, foram mais de 32 mil portugueses que emigraram para o Reino Unido, se juntando aos mais de 500 mil que já moram lá.
É precisamente no Reino Unido que está o jovem Euclides Semedo, natural de Sintra, perto de Lisboa. Há um ano e meio ele foi morar em Birmingham, na Inglaterra. "Os motivos que me fizeram deixar Portugal e a minha família é o mesmo de centenas de jovens: procurar emprego (muitos dizem uma vida melhor, mas nem sempre é, tendo em conta quando emigras estás sujeito a tudo). A outra razão é que o próprio governo nos convidou a emigrar, ou seja não nos deu escolha", conta Semedo.
Imigrantes e refugiados
A vinda de imigrantes cresceu até 2009, mas a partir de então vem caindo a cada ano. Desde 2009, mais de 60 mil cidadãos estrangeiros que viviam em Portugal foram embora. Muitos desistiram devido às dificuldades impostas pelas autoridades portuguesas para a obtenção dos documentos necessários para permanecer no país.
Elísio Estanque avalia que a legalização de estrangeiros em Portugal foi até bastante fácil enquanto o desemprego era baixo (no inicio dos anos 90), o que atraiu muitos imigrantes, principalmente do Leste europeu (Ucrânia, Moldávia, Roménia, etc). "Mas essa situação alterou-se com a proximidade da crise e muitos desses imigrantes regressaram, como aconteceu com os ucranianos. Por sinal há notícias de que alguns estarão de novo a voltar a Portugal devido à instabilidade e à crise que lá se vive", comenta o professor.
"Mais recentemente tem sido o fenômeno do tráfico internacional de mão-de-obra, nomeadamente no setor agrícola (agricultura intensiva como as estufas de frutos silvestres, no Sul do país) que tem arrastado novos contingentes de imigrantes (do Paquistão, Tailandia, Nepal, Índia, etc.), mas estes são em geral sazonais e muitos deverão estar ilegais ou foram 'legalizados' por via fraudulenta", explica o sociólogo.
O Bloco de Esquerda, partido que apoiou a formação do atual governo de António Costa (PS), apresentou um projeto para alterar a lei e, de acordo com a deputada Sandra Cunha, retirar o "caráter de excepcionalidade e discricionariedade que é deixado nas mãos do SEF".
Há mais de um ano a Europa vive uma crise aguda com a entrada de milhares de refugiados que fogem da guerra na Síria, no entanto poucos escolhem morar em Portugal. O país se ofereceu para receber até 10 mil pessoas, mas até o momento, apenas 500 desembarcaram em solo português. Mesmo assim, o ministro adjunto de António Costa, Eduardo Cabrita, comemorou o número afirmando que os refugiados estão chegando "em velocidade de cruzeiro" e que "todas as semanas" chegam novos grupos.
Ainda em novembro do ano passado, dois casos de grupos de refugiados sírios que desistiram de vir para Portugal ganharam grande repercussão na imprensa. Uma família inteira desistiu pouco antes de embarcar para Lisboa e um grupo de 10 refugiados que estavam na Grécia simplesmente desapareceram.
Na opinião do professor Elísio Estanque os refugiados e os imigrantes em geral podem ter um papel importante na economia e na sociedade portuguesas desde que se verifiquem duas condições: uma boa regulação e acompanhamento das políticas migratórias e de integração na sociedade e se a crise econômica e o desemprego forem ultrapassados nos próximos tempos.
"Muito depende do que a UE e os poderes que a dominam perceberem finalmente que é preciso um novo rumo para a Europa que terá de passar por um outra forma de encarar as economias dos países do Sul (como Portugal) que não se limite a uma atitude punitiva e autocrática como a que nos tem dominado nos últimos anos", defende Estanque.
O professor realça "a coragem do atual Governo" ao mudar de atitude diante das forças dominantes e procura agora forjar alianças que obriguem as economias mais poderosas (como a Alemã) a aceitar uma outra orientação para o fortalecimento da(s) economia(s) portuguesa e da Europa do Sul.
"Enfim, se a 'imagem de marca' dos portugueses inclui ainda essa ideia de sermos um povo acolhedor acho que Portugal, como outros países da UE, tem de demonstrar com atos a sua capacidade de ser solidário com populações vítimas da guerra e da ambição militarias de muitos líderes mundiais. Desde que haja critérios claros e um acompanhamento de proximidade o contributo deles pode também revelar-se importante para reanimar a demografia portuguesa", argumenta o sociólogo.