Ao fazer a defesa das medidas adotadas pelo Presidente Recep Tayyip Erdogan após a tentativa de golpe em 15 de julho passado, o Embaixador Hüseyin Diriöz foi questionado pela exoneração de cerca de 15 mil funcionários da Educação, o afastamento de 2.745 juízes e procuradores, o fechamento de 131 veículos de comunicação e as detenções de aproximadamente 10 mil militares. O diplomata disse que a Turquia "já voltou à normalidade", e que apenas foram detidos ou suspensos indivíduos suspeitos de ligação com o clérigo Fetullah Gülen. Para o Governo turco, Fetullah Gülen é o mentor da recente tentativa de golpe, acusação veementemente repudiada pelo clérigo que vive exilado nos Estados Unidos.
Especialista em políticas do Oriente Médio e conhecedor da situação interna e externa da Turquia, o professor de Relações Internacionais Jonuel Gonçalves, da Universidade Federal Fluminense, discorda da avaliação do Embaixador Hüseyin Diriöz:
"A Turquia não defende a democracia, defende o seu regime. Sem ser propriamente uma ditadura, a Turquia não pode também ser considerada uma democracia. Basta considerar estes números tão elevados de presos políticos, sendo que muitos deles sequer usaram de violência. Houve um passo atrás na Turquia, país que já viveu momentos mais democráticos. Agora, tudo isto que vem acontecendo na Turquia está ligado à guerra na região."
Jonuel Gonçalves detalha seu comentário:
"Na prática, a Turquia definiu quais são seus dois atuais grandes inimigos: de um lado, o Daesh, autointitulado Estado Islâmico, e de outro os curdos, ou, melhor dizendo, os políticos do Curdistão. Os curdos também têm dois inimigos, o Estado Islâmico e o Estado turco. É uma situação extremamente complexa. Nesta guerra, os governantes levam em conta os aspectos militares e securitários, e se esquecem do fator político. Então, os conflitos só se aguçam na região. Uma situação como esta pode provocar fortes reações internas na Turquia, intensificando a oposição, entre as forças de esquerda contrárias ao Presidente Recep Tayyp Erdogan. O presidente turco está neste momento diante de um quadro peculiar: ele está à frente de um quadro muito delicado, em que a fronteira entre democracia e ditadura é muito tênue."
Em relação à Alemanha, o Deputado Hans-Christian Stobele subiu à tribuna do Bundestag (o Parlamento nacional) para exigir providências do Governo em relação às notícias publicadas pelo jornal "Die Welt", de que “mais de 6 mil agentes secretos da Turquia estão agindo livremente no país”. Segundo o parlamentar, estes agentes, que contam com uma vasta rede de informantes, repassam aos órgãos de inteligência e ao Governo da Turquia informações sobre a política da Alemanha e também sobre as comunidades turcas no país.
Para o Professor Jonuel Gonçalves, a inteligência turca não pode ser menosprezada: "Não sei se podemos endossar as afirmações do parlamentar alemão, de que há 6 mil espiões turcos agindo livremente na Alemanha. Se ele está dizendo isso, provavelmente sabe do que está falando. Agora, fato inquestionável é a eficiência da inteligência turca. Para citar só um exemplo: há alguns anos, os agentes turcos prenderam em Nairóbi, capital do Quênia, o líder do PKK, Partido Trabalhista do Curdistão. O mundo procurava por este político, e somente a inteligência turca foi capaz de chegar até ele no Quênia. Esta eficiência da espionagem turca vem do século XIX, da época do Império Otomano, que se ramificava por várias regiões, o que facilitava as ações dos seus agentes. No caso da Alemanha, a situação é facilitada pelas numerosas comunidades turcas. É nesse ponto que aumenta a minha preocupação, pois a minha dúvida é se os agentes turcos na Alemanha estão espionando o país ou, mais provavelmente, as comunidades turcas nas quais há inúmeros opositores ao Presidente Recep Tayyp Erdogan."