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Mariana: Após o desastre, um mundo inteiro a reconstruir

© Roberto Franco/UFMGMariana hoje
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Um ano depois do rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), no maior desastre ambiental do Brasil, comunidades inteiras ainda lutam para reconstruir tudo que foi destruído em minutos pela avalanche de lama que atravessou o Estado de Minas e o Espírito Santo até desaguar no Atlântico a quase 600 quilômetros do ponto de origem.

Bento Rodrigues, um distrito de 300 anos, a 2,5 quilômetros da barragem rompida, foi o primeiro a ser atingido pela tsunami de lama que, ao chegar ao distrito, se abateu com uma altura superior a 10 metros sobre as ruas dessa localidade de 600 habitantes. Era o início de um pesadelo que, em seu trajeto, destruiu tudo à frente e à volta: construções, estradas, plantações, rebanhos, poluindo rios, lagoas e córregos. Da cidade, hoje fantasma, não restou nada e centenas de famílias ainda se encontram abrigadas em hotéis e pousadas. Muito poucos conseguiram indenizações da Samarco para reconstruir suas casas. Levantamentos parciais dão conta de 8 mil famílias cadastradas e outras 11 mil em toda a imensa área do desastre em Minas.

A Samarco — que têm como sócias a Vale e a australiana BHP Billiton — constituiu uma fundação, a Renova, encarregada de todas as ações de reparação. Uma nova Bento Rodrigues vai ser construída em Lavoura, a 10 quilômetros de Mariana, local escolhido pelos habitantes do distrito. A estimativa é que o novo distrito estará concluído em 2019, com trabalhos sendo executados 24 horas por dia, sete dias por semana. A área de 89 hectares está sendo negociada com a proprietária, a ArcelorMittal. Segundo a Renova, 8 mil famílias ribeirinhas ao Rio Doce estão recebendo fundos de emergência, já que muitas dependiam da pesca ou turismo para o sustento. 

Pelas contas da fundação, 236 famílias tiveram que sair de Bento Rodrigues e outras 108 foram remanejadas para a vizinha Paracatu, próximo ao distrito, e que também sofreu os impactos da inundação. Outras localidades até hoje ainda não se recuperaram inteiramente dos efeitos da tragédia. É o caso de Paracatu de Baixo, Rio Doce, Camargos, Barra Longa, Rita Duração, Barreto e Gesteira, todos na área de influência do Rio Doce, que por meses teve alterada a coloração de suas águas e uma queda acentuada na quantidade de pesca. 

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A qualidade da água fornecida a essas populações continua dividindo opiniões um ano depois. Prefeituras de Minas e do Espírito Santo garantem que a situação foi normalizada e que a água tratada é própria para o consumo. Em Colatina (ES), a mais de 500 quilômetros do local do vazamento, boa parte da população até hoje só consome água mineral. Assim como em outras cidades, a reclamação é do excesso de cloro presente na água. O Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) garante que os resultados das coletas mostram que os índices estão dentro dos limites estabelecidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).

Com relação ás obras de recuperação, levantamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente de Recursos Renováveis (Ibama) revela que as obras da Samarco para contenção da lama que vaza da barragem estão atrasadas. Cerca de 67% dos locais atingidos ainda não receberam drenagem do solo, 71% precisam de ações para conservação do solo e 53% de contenção. Também foram constatados processos erosivos em 92% dos locais vistoriados e 78% de erosão laminar.

Os pescadores estão entre os profissionais mais afetados pelo desastre até hoje, junto com pecuaristas e pequenos lavradores. A pesca ainda está proibida na foz do Rio Doce, muitos têm medo de pescar no rio, por não estarem convencidos do grau de poluição deixado pelo vazamento. Em Baixo Guandu, a 170 quilômetros da foz, 250 famílias da colônia de pescadores vivem o mesmo receio. Os consumidores também evitam comer peixe, o que agrava o círculo de falência econômica da atividade.

No âmbito da Justiça, centenas de ações cobram indenizações da Samarco. A companhia, que antes do desastre era apontada como referência no setor de mineração, obtendo resultados financeiros expressivos mesmo em período de queda na cotação das commodities metálicas, viu seu mundo desabar da noite para o dia. De um quadro de 3 mil funcionários, cerca de 1 mil estão sem trabalho, fora os cancelamentos de contratos de um total de 3 mil terceirizados. Em 2014, a Samarco faturou R$ 7,5 bilhões e teve lucro de R$ 2,8 bilhões. Tinha fornecedores em 19 países e processava 30,5 milhões de toneladas de pelotas de ferro.

Mesmo para o caixa da mineradora, o acidente teve impactos consideráveis. O Ibama já aplicou R$ 250 milhões em multas à empresa, enquanto a Justiça de Minas bloqueou R$ 300 milhões como garantia para pagamento de indenizações. Há no mercado, porém, quem garanta que a empresa pode perder bilhões nos tribunais caso seja condenada.

Do ponto de vista institucional, os estragos podem até ser maiores. O acidente que deixou 19 mortos oficialmente está sendo tratado como crime ambiental grave. Samarco, Vale e BHP Billiton são acusadas de nove crimes ao meio ambiente. Das 22 pessoas denunciadas pelo Ministério Público, apenas o engenheiro da VogBR Samuel Loures não foi acusado de homicídio com dolo eventual, aquele em que pode haver a intenção de matar. A VogBR foi arrolada no processo acusada de fornecer laudos ambientais falsos sobre as condições de segurança da barragem da Samarco. Caso sejam condenados, os 21 acusados, pertencentes às três empresas, podem pegar penas de até 54 anos de prisão, além de pagamento de multas para reparação do meio ambiente e indenizações às vítimas.

O acidente, que repercutiu durante semanas na mídia brasileira e internacional, chega 12 meses depois condenado também pela Organização das Nações Unidas (ONU). A entidade considera que as ações tomadas até agora pelas empresas envolvidas, pelo governo e pela Justiça são insuficientes face ao tamanho da tragédia. A Organização aponta que diversos danos não foram sanados, como o acesso seguro à água para consumo humano, a poluição dos rios e o destino incerto de comunidades forçadas a deixar suas casas.

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"Após um ano, muitos dos 6 milhões de pessoas afetadas continuam sofrendo", alertam os peritos da ONU. "Acreditamos que seus direitos humanos não estejam sendo protegidos em vários sentidos, incluindo os impactos nas comunidades indígenas e tradicionais, problemas de saúde nas comunidades ribeirinhas, o risco de subsequentes contaminações dos cursos de água ainda não recuperados, o avanço lento dos reassentamentos e da remediação legal para toda a população deslocada, e relatos de que defensores dos direitos humanos estejam sendo perseguidos por ação penal." 

A ONU também exige uma resposta das empresas envolvidas. "Destacamos ainda as conclusões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), indicando que os esforços das empresas envolvidas (Samarco, Vale e BHP Billiton) para deter os contínuos vazamentos de lama da barragem de Fundão, no Estado de Minas Gerais, estejam sendo insuficientes. Receamos que mais rejeitos possam atingir as regiões de jusante quando a temporada chuvosa iniciar, daqui a algumas semanas", alertam.

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