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Opinião: esboço da Constituição síria atende realmente aos anseios da oposição e do povo

© Sputnik / Mikhail Alaeddin / Acessar o banco de imagensUma bandeira síria improvisada em um bairro da zona leste de Aleppo libertado pelo exército nacional, em 13 de dezembro de 2016
Uma bandeira síria improvisada em um bairro da zona leste de Aleppo libertado pelo exército nacional, em 13 de dezembro de 2016 - Sputnik Brasil
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Ontem (1), foi publicado o texto original do primeiro projeto de Constituição para a Síria elaborado pelos especialistas russos, aparecendo como bem conciliador e até democrático. A Sputnik Brasil conversou com o diplomata Luiz Augusto Castro Neves e o analista Sheik Jihad Hammadeh sobre as perspectivas de aprovar tal documento na prática.

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As negociações de paz que decorreram na capital cazaque, Astana, nos finais de janeiro, se destacaram por algo sem precedentes — a apresentação aos grupos opositores sírios de um projeto de Constituição elaborado pela parte russa, sendo que o conflito já se arrasta por quase 6 anos.

Para muitos, foi um sinal positivo para uma provável saída do impasse, tanto mais que foi em grande parte graças à mediação russa que as partes em conflito acordaram em se sentar à mesa das negociações.

Vale destacar que o chefe da delegação russa a Astana, Aleksandr Lavrentyev, frisou que a Rússia não está intervindo no debate da Constituição, se limitando a apresentar um projeto à oposição para simplesmente acelerar o processo de paz.

Porém, alguns entenderam o projeto como "mais uma tentativa de ingerência aos assuntos internos sírios".

Em respeito a esse assunto, a Sputnik Brasil falou com o ex-embaixador brasileiro no Paraguai, China e Japão e atual presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, Luiz Augusto Castro Neves, que, apesar de reconhecer o esforço benéfico da Rússia, se mostrou bem cético:

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"As constituições normalmente são feitas por constituintes. Constituintes que são eleitos pelo próprio povo interessado. Às vezes, por mais bem feitas que as constituições sejam, torna-se difícil colocá-la em vigor para um país que não participou da sua elaboração ou participou muito limitadamente", frisou o diplomata, afirmando que esta iniciativa de apresentar à Síria um esboço da sua própria "Carta Magna" é bem questionada, embora vise construir uma sociedade baseada em princípios mais democráticos e plurais.

"Instituições e democracias não se exportam", assinala o ex-embaixador. "Bom exemplo disso foi a tentativa de transformar a Primavera Árabe em uma efetiva primavera. Os movimentos […] dificilmente deram certo e na verdade serviram muito mais para desestabilizar a região", acrescentou ele, falando da Síria, Iraque, Líbia e Egito.

Contudo, Luiz Augusto Castro Neves afirma que o esforço russo "deve ser uma contribuição relevante" para conter a calamidade que está vigente na Síria, mas uma condição importante é que ela "seja aceita pelo povo sírio".

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"Como toda a Constituição, o projeto é sempre uma expressão de aspirações, genéricas e grandes, que falem em pluralismo, autodeterminação, reconheçam os direitos das minorias, estabeleçam que o Presidente da República possa ser eleito no máximo duas vezes", continuou o diplomata, resumindo que qualquer documento deste tipo apresenta uma série de mecanismos parecidos, mas "o importante não é o mecanismo em si", mas o fato da Constituição "representar os anseios da população" que será a ela sujeita.

As constituições não costumam ser importadas, exceto casos muito raros, realça o diplomata, relembrando a história da Áustria após a Segunda Guerra Mundial, quando o documento principal da República foi elaborado através de um Tratado de Estado que contou com a participação das potências vencedoras da guerra, enquanto a própria Áustria ficou neutra.

"Não tem dúvida alguma que o papel das grandes potências é fundamental e a Rússia tem tido um papel importante no Oriente Médio e na Síria em particular, mas é fundamental que haja um cooptação do povo sírio como um todo, inclusive diversas facções, grupos étnicos e religiosos", resumiu Luiz Augusto Castro Neves.

Outro especialista, Sheik Jihad Hammadeh, presidente do Conselho de Ética da União Nacional Islâmica, também comentou as propostas apresentadas tanto à oposição síria como ao governo, assinalando a importância de que todas as partes negociantes façam suas propostas, suas contribuições ao processo de paz, "até chegar a um consenso".

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"Das coisas que me chamam atenção é o tempo do mandato tanto do chefe executivo como o do parlamento. O executivo está com sete anos e o parlamento tem mandato menor. Além disso, [acho que vale ressaltar] o aumento do poder da autoridade do parlamento legislativo", disse o especialista, afirmando que, segundo o esboço, é reduzida a concentração do poder em mãos do executivo, ou seja, em mãos de uma pessoa só, o que "realmente atende aos anseios da oposição e do povo."

Sheik Jihad Hammadeh ressaltou que há uma disposição sem precedentes no documento — a que trata da ausência de ideologia oficial, qualquer que ela seja, sendo que a Síria é um país muçulmano com a religião islâmica como predominante.

"Tem que ver se o povo vai aceitar isso ou não. São somente sugestões, pequenas, sim, mas aquelas que influenciam muito, como, por exemplo, tirar a palavra ‘árabe' do nome da República", continua o analista.

Contudo, Sheik Jihad Hammadeh assinala que "certamente haverá uma contrapartida, outras sugestões, tanto de um lado como do outro", mas a parte positiva é que as partes "estejam se sentando e dialogando".

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Em conclusão, o entrevistado da Sputnik Brasil expressou sua opinião quanto à crítica dirigida contra a Rússia em relação ao projeto.

"Em princípio, para a população certamente é uma ingerência que está vindo de fora. Acredito que essa visão pode ser amenizada se for participar um outro país que seja islâmico, como a Turquia, por exemplo. Se ela tiver participação e contribuição nisso, seria muito mais fácil [para a Constituição] de ser aceita, digerida e vista de forma positiva", concluiu Sheik Jihad Hammadeh, assinalando que isso não descarta a participação russa e qualquer contribuição, nesta etapa, seria benéfica para o processo de paz.

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