Para muitos, foi um sinal positivo para uma provável saída do impasse, tanto mais que foi em grande parte graças à mediação russa que as partes em conflito acordaram em se sentar à mesa das negociações.
Vale destacar que o chefe da delegação russa a Astana, Aleksandr Lavrentyev, frisou que a Rússia não está intervindo no debate da Constituição, se limitando a apresentar um projeto à oposição para simplesmente acelerar o processo de paz.
Porém, alguns entenderam o projeto como "mais uma tentativa de ingerência aos assuntos internos sírios".
Em respeito a esse assunto, a Sputnik Brasil falou com o ex-embaixador brasileiro no Paraguai, China e Japão e atual presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, Luiz Augusto Castro Neves, que, apesar de reconhecer o esforço benéfico da Rússia, se mostrou bem cético:
"Instituições e democracias não se exportam", assinala o ex-embaixador. "Bom exemplo disso foi a tentativa de transformar a Primavera Árabe em uma efetiva primavera. Os movimentos […] dificilmente deram certo e na verdade serviram muito mais para desestabilizar a região", acrescentou ele, falando da Síria, Iraque, Líbia e Egito.
Contudo, Luiz Augusto Castro Neves afirma que o esforço russo "deve ser uma contribuição relevante" para conter a calamidade que está vigente na Síria, mas uma condição importante é que ela "seja aceita pelo povo sírio".
As constituições não costumam ser importadas, exceto casos muito raros, realça o diplomata, relembrando a história da Áustria após a Segunda Guerra Mundial, quando o documento principal da República foi elaborado através de um Tratado de Estado que contou com a participação das potências vencedoras da guerra, enquanto a própria Áustria ficou neutra.
"Não tem dúvida alguma que o papel das grandes potências é fundamental e a Rússia tem tido um papel importante no Oriente Médio e na Síria em particular, mas é fundamental que haja um cooptação do povo sírio como um todo, inclusive diversas facções, grupos étnicos e religiosos", resumiu Luiz Augusto Castro Neves.
Outro especialista, Sheik Jihad Hammadeh, presidente do Conselho de Ética da União Nacional Islâmica, também comentou as propostas apresentadas tanto à oposição síria como ao governo, assinalando a importância de que todas as partes negociantes façam suas propostas, suas contribuições ao processo de paz, "até chegar a um consenso".
Sheik Jihad Hammadeh ressaltou que há uma disposição sem precedentes no documento — a que trata da ausência de ideologia oficial, qualquer que ela seja, sendo que a Síria é um país muçulmano com a religião islâmica como predominante.
"Tem que ver se o povo vai aceitar isso ou não. São somente sugestões, pequenas, sim, mas aquelas que influenciam muito, como, por exemplo, tirar a palavra ‘árabe' do nome da República", continua o analista.
Contudo, Sheik Jihad Hammadeh assinala que "certamente haverá uma contrapartida, outras sugestões, tanto de um lado como do outro", mas a parte positiva é que as partes "estejam se sentando e dialogando".
"Em princípio, para a população certamente é uma ingerência que está vindo de fora. Acredito que essa visão pode ser amenizada se for participar um outro país que seja islâmico, como a Turquia, por exemplo. Se ela tiver participação e contribuição nisso, seria muito mais fácil [para a Constituição] de ser aceita, digerida e vista de forma positiva", concluiu Sheik Jihad Hammadeh, assinalando que isso não descarta a participação russa e qualquer contribuição, nesta etapa, seria benéfica para o processo de paz.