Crise na Venezuela: fenômeno estrutural ou sintoma da queda esquerdista?

© REUTERS / Palácio MirafloresNicolás Maduro, presidente da Venezuela
Nicolás Maduro, presidente da Venezuela - Sputnik Brasil
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No país onde está em curso a construção do "socialismo do século XXI", este mês de abril foi marcado por uma nova onda de confrontos violentos que, segundo várias fontes, produziram até 30 vítimas mortais e dezenas de feridos. A Sputnik explica o que motivou esse crescimento de tensão e o que está por trás da complicada crise venezuelana.

A perturbação política e econômica na Venezuela é algo que se arrasta já há vários anos, evidenciando períodos relativamente pacíficos e outros de distúrbios populares de larga escala. Particularmente, a crise se iniciou logo após a morte do presidente e líder da Revolução Bolivariana Hugo Chávez, porém, seria injusto indicar o passamento dele como a principal causa dos respectivos acontecimentos.

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No início da nova década do século XXI, a Venezuela, tal como outros países fortemente dependentes da exportação das chamadas 'commodities', ou seja, das matérias-primas, ficou inesperadamente abalada pela deterioração da conjuntura econômica global, inclusive pela queda dos preços do petróleo. Deste modo, o conceito chavista que foi aplicado bastante eficientemente durante os três mandatos completos de Chávez, e que criou novas realidades sociais positivas, passou a experienciar uma grande turbulência.

Para alguns, foi também crucial o fato de o novo líder, Nicolás Maduro, não possuir um carisma tão contagiante como seu antecessor e, aliás, vontade política suficiente. Entretanto, seria mais objetivo dizer que foi isso tudo em combinação, ainda tomando em conta a recente tendência regional da "virada à direita" na América Latina.

Como Venezuela se converteu em palco de confrontação ideológica

De qualquer maneira, a situação econômica que se formou no momento da morte de Chávez, com a inflação cada vez mais galopante e uma escassez dos produtos da cesta básica, fez com que tanto a oposição como os apoiadores do governo tomassem as ruas no início de 2014. Na época, os manifestantes contrários ao governo se queixavam da impotência do regime na resolução da crise econômica e do aumento da criminalidade.

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A maioria dos ativistas foi detida pelas forças de segurança nacionais, enquanto o próprio Maduro chamava estas atividades de "provocações políticas".

Entretanto, a crise civil logo se converteu em uma de caráter político, após o que as forças opositoras tomaram o controle da Assembleia Nacional pela primeira vez em 16 anos. Foi naquele momento que se iniciou uma confrontação dura entre os parlamentares e o poder executivo, sendo que a questão do possível impeachment tem sido levantada com regularidade.

No entanto, as tentativas dos partidos opositores de convocar um referendo para destituir o presidente nunca deram frutos, inclusive por terem sido bloqueadas pelo poder judicial em 2016, o qual, por sua vez, é conhecido pela sua inclinação pró-chavista.

Nos finais do ano passado, houve até a esperança de que as forças rivais finalmente conseguissem encontrar um consenso — Maduro iniciou negociações com os partidos da oposição, sendo que estas foram intermediadas pelo Papa Francisco.

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Porém, o dito esforço acabou por entrar em uma espécie de impasse, e a nova espiral de tensões se agudizou em 30 de março, quando o Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela anunciou assumir, de fato, as funções parlamentares, o que gerou uma explosão de descontentamento dos ativistas e cidadãos. Pressionado pela opinião pública e ação opositora, o órgão judicial foi obrigado a cancelar tal medida.

Entretanto, o passo conciliador do governo não conseguiu acalmar os distúrbios que já estavam em pleno desabrochamento. Em 1 de maio, Nicolás Maduro acabou por convocar uma Assembleia Constituinte para iniciar um "diálogo construtivo com todos os venezuelanos", o que foi entendido como um golpe de Estado pela oposição.

De que maneira um país extremamente rico em recursos acabou na miséria?

Segundo ressaltam quase todos os analistas internacionais, a coisa mais paradoxal nesta crise é o fato da Venezuela ser um país potencialmente próspero, com enormes riquezas nacionais. Basta especificar que, em termos de jazidas petroleiras, este país latino-americano é considerado como o mais rico no mundo.

Suas reservas são estimadas entre 70 e 170 bilhões de toneladas, representando por volta de 17,5% das reservas mundiais (como exemplo, as da Rússia contam com 6%).
Então, como é que um país tão rico pode se encontrar em uma situação em que os cidadãos ficam privados de produtos tão comuns como papel higiênico, pão, açúcar e batata? Até a cadeia de restaurantes internacional McDonald´s, por exemplo, suspendeu a produção de vários pratos, inclusive sanduíches e batata frita por falta dos respectivos alimentos no país.

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Segundo os dados mais recentes, a inflação no país já ultrapassou 700%, enquanto o câmbio oficial da moeda nacional, o bolívar, é dezenas de vezes maior que o do mercado paralelo. Em busca de alimentos e medicamentos, muitos venezuelanos se lançam em uma aventura de atravessar a fronteira colombiana. O Brasil, por sua vez, com seu estado fronteiriço de Roraima, se tornou em um lugar de afluxo para centenas de milhares de refugiados venezuelanos.

A resposta é simples — a razão principal para tal situação desastrosa é a dependência fortíssima que a Venezuela tem das exportações do petróleo. De fato, estas têm representado 95% do PIB nacional do país e, evidentemente, com a queda mundial dos preços a economia venezuelana começou se contraindo a uma velocidade impetuosa.

Medidas de Maduro são 'legítimas', mas não há garantias que deem frutos

Para a oposição, grande parte da qual, segundo Maduro, recebe apoio e financiamento de fora, o principal culpado pela crise é exatamente o governo socialista por este não ter conseguido diversificar a produção nacional durante as longas duas décadas no poder. Porém, vários cientistas políticos destacam que a oposição, por sua vez, sempre montou seu programa em torno da crítica contra o governo e não está muito claro seu próprio plano para a resolução desta crise profunda. De qualquer modo, com qualquer presidente no poder, seja Maduro ou Capriles, os preços do petróleo continuarão baixos, segundo numerosos prognósticos.

Em uma conversa com o serviço russo da Rádio Sputnik, Vladimir Travkin, o editor-chefe da revista Latinskaya Amerika (América Latina, em russo), editada pela Academia de Ciências da Rússia, ressaltou também o fator estrangeiro naquilo que se passa na Venezuela.

"É preciso ter em conta que a Venezuela está vivendo em condições de guerra econômica declarada contra ela. Esta guerra é inspirada por Washington e apoiada por aquelas forças venezuelanas que ficaram privadas de seus privilégios, que eles não querem partilhar com o povo e com os trabalhadores. E, o que é ainda mais importante, não querem partilhar as receitas das exportações do petróleo ", afirmou.

Quanto à recente iniciativa do presidente para convocar a Assembleia Constituinte e buscar uma saída da crise através de um diálogo à escala nacional, o cientista político assegurou:

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"Acho que é uma iniciativa bem curiosa. Deve-se dizer que a oposição a enfrentou com hostilidade excessiva. É claro, já que ela não gosta de tudo que Maduro faz. Mas isto não quer dizer que a respetiva iniciativa tenha um caráter anticonstitucional. É bastante legítima. Trata-se de rever alguns artigos da Constituição e permitir que o povo participe de modo mais direto na determinação do destino do seu próprio país."

"Em minha humilde opinião, o presidente não está passando além dos limites da atual Constituição. Ele tenta encontrar o mais importante — o consenso social", resumiu.

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