O texto, assinado pelo titular da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Hussein Kalout, e por seu adjunto, Marcos Degaut, aponta "falhas sistêmicas" e critica a total falta de prioridade concedida à política externa pelos principais mandatários do país.
Para o Embaixador Luiz Augusto Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China e vice-presidente emérito do Cebri – Centro Brasileiro de Relações Internacionais, os autores do documento têm razão em alguns aspectos, mas há outras questões que devem também ser ponderadas, conforme aponta o diplomata em entrevista exclusiva para a Sputnik Brasil.
"Hussein Kalout tenta colocar a Secretaria de Assuntos Estratégicos no âmbito da política externa brasileira, o que em si não é de todo mau", comenta o Embaixador Castro Neves, que serviu, entre outros países, na China e no Japão.
"O problema fundamental que as pessoas não gostam de falar muito é que política externa e relações internacionais têm baixa prioridade na agenda da sociedade brasileira. O Brasil ainda é um país muito voltado para si mesmo. Durante muitos anos, as pessoas pensaram que política externa é uma coisa voltada para diplomatas, o que não é verdade. Na verdade, os diplomatas são assessores em termos de política externa e são responsáveis pela sua execução. Mas a política é dada pela sociedade brasileira, pelo Governo e pelos políticos, digamos assim."
O Embaixador Castro Neves acrescenta:
"Uma coisa curiosa é que, nos últimos 50 anos, em 70% do tempo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil esteve chefiado por diplomatas de carreira. Todos, de maneira geral, competentes, bem preparados, como de resto os quadros do Itamaraty. Mas, na verdade, o funcionário diplomático é apenas um funcionário, não é um político. Quando muito, ele pode exprimir sugestões ao Governo. Quem olha o Itamaraty ao longo dos anos vê que ele tem orçamento diminuto e que carece de meios para implementar qualquer política mais séria."
Os autores do documento de 20 páginas, Hussein Kalout e Marcos Degaut, não poupam sequer seu chefe direto, o Presidente Michel Temer. Dizem não haver estratégia de política externa e afirmam:
"O Governo Temer decidiu concentrar esforços numa espécie de diplomacia presidencial voltada para consolidar a legitimidade da nova administração e tranquilizar investidores."
Para o Embaixador Castro Neves, o Brasil tem todos os meios para definir qual deve ser sua estratégia diante do cenário externo:
"A grande estratégia hoje da diplomacia nacional seria a inserção do Brasil na economia mundial, aquilo que os chineses chamam de inserção no sistema internacional, que fez parte das reformas de 1978 feitas por Den Xiaoping. O grande objetivo da China foi se inserir no sistema internacional, e, de país isolado e fechado que era, mudou sua percepção e se colocou muito bem neste sistema internacional. O Brasil continua até hoje, em grande medida, como um país voltado para dentro. O próprio setor industrial, que foi essencialmente construído com base na substituição de importações, subsídios, reserva de mercado e protecionismo."
Por fim, o Embaixador Luiz Augusto Castro Neves aponta a ênfase que deveria ter sido conferida ao documento de Hussein Kalout e Marcos Degaut:
"O documento diz algumas coisas corretas, mas não apresenta uma visão completa. A análise deve partir do fato de que política externa e relações internacionais não são prioridade para o Brasil ou não têm sido até agora."