"Não existe perigo para os voluntários, uma vez que a vacina em si não causa qualquer doença e, no ensaio de eficácia, mesmo os grupos de voluntários controle (não-vacinados) que serão sujeitos ao parasita infeccioso (Plasmodium falciparum) serão tratados antes mesmo do aparecimento de quaisquer sintomas. Existe, no entanto, algum desconforto associado à administração da vacina, já que esta será administrada por picada de mosquitos", diz o cientista.
Você leu bem: o voluntário (ou a voluntária) precisará se deixar picar por um mosquito da espécie Anopheles stephensi, portador de uma versão geneticamente modificada do parasita Plasmodium, que geralmente transmite a doença.
O ensaio, a partir da picada, será monitorado por uma equipe de médicos de diversas instituições. Ashley Birkett, diretor-geral da Iniciativa por uma Vacina contra a Malária (MVI, na sigla em inglês), indicou, em comentário à Sputnik Brasil, que se trata de um ensaio controlado de infecção com malária humana (CHMI, na sigla em inglês), o que minimiza os riscos.
Ainda é cedo para falar em vacina. O próprio Dr. Prudêncio chama o produto testado de "nosso candidato a vacina". O que começa amanhã é só o início do ensaio prático, a eficiência do método, em caso de êxito, deverá ser comprovada pelo tempo. E o tempo pode ser longo. Ashley Birkett precisou que será testado um efeito que perdure "pelo menos dois anos". E o Dr. Prudêncio indica que "pelo menos 10-15 anos" passarão "até a vacina, se vier a ter sucesso, ser licenciada".
Birkett e Prudêncio frisaram também que a vacina (como não?) deverá ser testada nas regiões onde a malária é endêmica. Isto é, na África subsaariana (esta região é a primeira na lista). E talvez no Brasil também.
Vacina revolucionária
Lembra o médico que a primeira vacina que existiu no mundo foi desenvolvida pelo britânico Edward Jenner, que tinha observado que as pessoas expostas ao vírus da varíola bovina pareciam estar protegidas contra a varíola humana. Então ele começou administrando o vírus bovino a pessoas com o intuito de protegê-las contra a versão humana do mesmo. O Dr. Prudêncio pretende agir do mesmo jeito usando uma variedade do parasita Plasmodium, que é o "responsável" pela malária em diversos tipos de hóspede.
Eis aqui a diferença. As tentativas anteriores usavam o parasita Plasmodium falciparum, que o Dr. Prudêncio qualifica como duvidoso do ponto de vista da segurança e da eficácia. A sua equipe utiliza uma variedade distinta do parasita:
"A nossa proposta baseia-se na utilização do P. berghei como plataforma de vacinação contra a malária humana. A ideia de plataforma é essencial, porque a nossa proposta vai além da simples utilização do P. berghei como vacina. O que propomos é utilizar as ferramentas genéticas que hoje nos permitem modificar geneticamente os parasitas Plasmodium para 'mascarar' o P. berghei de parasita humano, através da introdução de antigénios do parasita humano no genoma do parasita de roedores."
A primeira etapa da experiência é assegurada por um agente imunogênio através da modificação genética, conta o cientista:
"O parasita que será agora testado em humanos é um P. berghei geneticamente modificado para expressar a proteína circumsporozoite (CS) de P. falciparum, o imunogênio mais potente que se conhece em parasitas da malária e o responsável pela imunidade que se observa quando se administram parasitas P. falciparum atenuados como forma de vacinação. Este parasita geneticamente modificado, isto é, a vacina, designa-se PbVac."
Explica o médico português o significado da vacina:
"Desta forma, esperamos que o nosso candidato a vacina espolete duas camadas de respostas imunitárias: por um lado uma proteção cruzada entre espécies, advinda do parentesco entre o parasita de roedores e o humano (a ideia subjacente à estratégia de vacinação contra a varíola); por outro, uma resposta dirigida ao parasita humano, advinda da introdução de um antigénio deste na plataforma que é o parasita de roedores."
Para quando o fim da praga?
A Sputnik Brasil aproveitou para perguntar se a malária poderá ser eliminada por completo em um futuro. A previsão não é concreta, mas as estatísticas têm demonstrado, desde 2000, uma redução de 60% nos casos de mortes provocadas pela malária. O Dr. Birkett indicou que "uma série de organizações estão trabalhando para acabar com a doença até 2040".
"É um objetivo ambicioso, e novas ferramentas, como vacinas, serão precisas para chegarmos lá", diz o cientista norte-americano.
Os entrevistados excluem, por enquanto, o uso do “candidato a vacina” para tratamento de doenças típicas para as regiões tropicais da América Latina e do Brasil, como a dengue, a chikungunya e o zika. A explicação é puramente técnica: a imunização acontece através de uma "patógena diferente, não patogênico para humanos, para se proteger contra a mortal doença infecciosa". O Dr. Prudêncio frisa: "Em teoria esse conceito poderia ser alargado a outras doenças, mas essa possibilidade, para já, está fora do horizonte".