As negociações que vinham em ritmo acelerados nos últimos meses, após a divulgação de uma política mais protecionista dos Estados Unidos com Donald Trump na presidência, podem agora voltar à estaca zero. A Europa começava a esboçar uma abertura maior para o setor agrícola e de carnes, enquanto os sul-americanos já concordavam em admitir maiores cortes de tarifas no setor industrial e maior abertura no setor de serviços, incluindo os financeiros.
Em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, Rogério Lino Pereira, diretor operacional da Câmara de Comércio e Indústria do Mercosul e das Américas, admite que o posicionamento do eurodeputados, embora representam apenas 10% da bancada, acende uma luz amarela quanto ao futuro das negociações, mas observa que, no médio e longo prazo, a obtenção de um acordo atende aos interesses geopolíticos de ambos os blocos.
"É um farol amarelo. O Brasil deve se preocupar muito, sim, porque a repercussão, além de ser brasileira, se estende a todos os demais países-membros do Mercosul. Essa negociação já vem desde 1999, com muita dificuldade, porque as barreiras protecionistas dificultam a inserção da América do Sul nesse mercado europeu, mas temos que entender um pouquinho desse contexto. Temos um protecionismo na Europa muito forte na parte da agricultura. Esses dez deputados também estão preocupados com a abertura desse mercado, e Brasil e Argentina são dois grandes potenciais exportadores de agronegócio para a região. Isso causou uma certa preocupação dos agricultores da União Europeia", sublinha o diretor.
Além da instabilidade política, o grupo de eurodeputados cita ainda o aumento da violência no campo e o uso das forças armadas para reprimir protestos no Brasil. Para o deputado Miguel Urbán, é inaceitável que a Comissão Europeia continue com negociações com o Mercosul sem considerar a grave situação de direitos humanos no Brasil. Os deputados pedem ainda que a Comissão cobre do governo brasileiro investigações sobre violência contra trabalhadores sem terra, indígenas e outros grupos socialmente vulneráveis, como quilombolas e pescadores artesanais. Na opinião de Pereira, esse quadro de instabilidade política já se reflete no movimento de investidores estrangeiros em relação ao Brasil.
Pereira diz que a barreira protecionista adotada pelos Estados Unidos foi ruim para alguns mercados, mas se mostra benéfica para os interesses do Mercosul, uma vez que foram abertas novas oportunidades em relação à Europa.
"A União Europeia sabe o quanto é importante manter um relacionamento com o Mercosul, porque o próprio Mercosul já está estreitando relacionamentos com a Aliança do Pacífico. Hoje Brasil e México renovam os acordos no setor automotivo, e vamos passar a estender, a partir de 2018, relações nesse setor. Tudo que foi conversado em março deste ano em Buenos Aires, quando retomamos o acordo com a UE, também interessa à UE, um mercado que nesse momento os EUA abriram mão", diz Pereira.
Para o diretor da Câmara de Comércio e Indústria do Mercosul e das Américas, o governo brasileiro tem que tomar ações que possam beneficiar esse acordo e não interrompe-lo. Ele lembra que, oficialmente, Bruxelas continua apoiando esse acordo desenhado para dezembro, durante reunião da Conferência Ministerial Organização Mundial do Comércio (OMC), em Buenos Aires.