Sputnik: Você se formou em direito. Mas a música sempre foi o seu sonho, não é?
Ju Moraes: Sim, desde criança. A primeira vez que eu cantei foi com 10 anos, na escola, e já sabia que aquilo ali mexeu comigo de forma diferente… Mas eu pensei que era impossível você trabalhar com tanto prazer, sabe. Era "top demais"… Como eu vou viver disso, isso é bom demais para ser meu trabalho.
S: Mas é sempre importante ter um plano B…
JM: É, e assim eu fui fazer a faculdade de direito, foi bacana, porque ela me abriu a cabeça para muitas coisas. Eu tenho uma facilidade de lidar com as pessoas e lidar com algumas situações e, talvez, a faculdade tenha me ajudado. Fiz grandes amigos, cantei nos festivais de música, mas na faculdade. Mas a música sempre esteve aí presente [apontando para seu coração] me falando: "Vai ter a hora que você vai ter que resolver esse problema, sim." E, graças a Deus, eu tive uma oportunidade de largar tudo e viver da música, foi meu sonho.
Sem dúvida, a participação do show The Voice foi um momento que literalmente mudou tudo da vida de Ju. Tendo sido originalmente cunhado na Holanda, este programa de TV logo se espalhou por todo o mundo e abriu novas perspectivas a centenas de talentos. Ju, por sua vez, conseguiu chegar até à final e, apesar de ser derrotada por Ellen Oléria, ganhou fama por todo o país verde e amarelo.
S: Você, sendo ex-participante do show The Voice, não tem medo de que as pessoas te associem sempre a esse projeto? Acho que as pessoas que participam de tais projetos às vezes ficam sempre associadas a eles, dado que as pessoas não ligam muito para sua própria música…
JM: Então, é assim. Talvez se você me fizesse essa pergunta um ano depois que eu saí do programa eu não te podia responder de forma tão firme como te posso responder hoje. Mas o meu programa foi assim, com anos. Eu continuo vivendo de música e, graças a Deus, cada dia está melhor. O programa foi muito importante para mim, eu tenho muito orgulho disso. Não tenho problema nenhum em dizer que sou ex-participante do The Voice Brasil, muito pelo contrário. O The Voice Brasil me ajudou muito, foi um divisor de água na minha vida, multiplicador que fez com que as pessoas me conhecessem. Talvez, se não fosse The Voice, eu não estaria aqui hoje, porque a gente vive na Bahia e o Brasil, como a Rússia, tem dimensões continentais. […] Se a minha música fosse alguma coisa passageira, se fosse alguma coisa que não fosse de verdade, teria acabado em um ano. Programa acabou, 15 minutos de fama e acabou para mim. Mas não, já faz 5 anos que eu participei e, graças a Deus, continuo trabalhando bastante.
A Sputnik Brasil também fez questão de saber como foi a impressão de Ju e da sua banda na sequência da visita às terras russas. Antes de dar um show fantástico no clube moscovita 16 Tons Club, a cantora se apresentou no palco do lendário festival russo Usadba Jazz, sendo que este tem um grande renome entre os adeptos russos da música de altos padrões.
Deste modo, a sambista teve a oportunidade de conhecer um pouco a variedade que há no país eslavo e revelou que ficou completamente apaixonada pelo povo e cidades russas. Tanto mais que, após várias semanas de chuva e garoa, a Moscou chegou, finalmente, o verdadeiro verão.
JM: Foi muito rápido, porque a gente chegou [de São Petersburgo a Moscou] de madrugada. Mas, nossa, eu fiquei apaixonada. Eu fiquei muito chocada, na verdade, com os dois lugares, tanto com São Petersburgo, quanto aqui com Moscou. Sabia que era bonito, todo o mundo sempre comentava, mas quando você vê, você fica assim… Muito impressionado. […] Aqui é muito diferente, imponente. A Praça Vermelha deixa qualquer um de cabelo em pé.
Entretanto, a sambista nos revelou que aquela imagem que se costuma criar sobre a Rússia — um país com clima e pessoas bravas — contradiz completamente o que ela viu. Para a cantora, todo o mundo lhe ofereceu uma ótima recepção, com o destaque para o pessoal da Embaixada da República Federativa do Brasil na Rússia, que se encarregou de organizar todo o evento.
S: Aquela imagem da Rússia que às vezes se cria na mídia internacional — que os russos são bem frios, por exemplo — coincidiu com aquilo que você sentiu por aqui?
JM: Exatamente o contrário. Eu cheguei em São Petersburgo, estava muito quente, não esperava. Aqui está muito quente também e há muita gente legal, a gente está muito bem recebida, desde o pessoal da embaixada, da nossa tradutora que é uma pessoa maravilhosa, desde as pessoas na rua. E o melhor, eu acho que sim, é importante para um brasileiro e para as pessoas entenderem que isso aqui não é só o inverno. […] A gente pegou dias lindos e um clima maravilhoso. Então acho que para turismo na Rússia, é importante passar essa imagem.
Descobrimos também que este foi o segundo show de Ju fora do Brasil, tendo o primeiro ocorrido no ano passado na ex-república soviética, e agora país independente, da Bielorrúsia no âmbito do festival ao ar livre Vulica Brasil. De acordo com a cantora, a recepção, em ambos os casos, foi "a melhor possível".
S: Então, parece que nos países onde se fala a língua russa a cultura brasileira, inclusive a música, é cada vez mais popular. Hoje em dia, se organizam muitos eventos culturais, se abrem centros de aprendizagem ligados ao português. Com o que você liga este fenômeno?
JM: Eu acho, na verdade, que o Brasil por ser um lugar muito misturado, que não se envolve com problemas políticos e sendo um lugar com cultura muito rica… As pessoas se identificam [com ele]. O Brasil é um lugar muito plural, né. E a nossa música é influenciada pela música do mundo. Então, acho que em todo o lugar aonde a gente chega, as pessoas sentem um pouquinho de si naquilo.
Ju nos contou também que, na adolescência, começou como roqueira. Já depois, se empenhou na MPB, interpretando-a em barzinhos. Mas, como o samba é "pai e mãe da música popular brasileira", começou percebendo que "gostava muito mais de samba", revela a cantora, que até tem uma palavra "samba" tatuada no seu braço direito.
S: Você acha que samba é uma boa ferramenta para divulgar a cultura brasileira para fora? Por exemplo, agora, pelo que vejo, o funk é uma coisa que fica cada vez mais popular inclusive fora do país. Porém, é um estilo, digamos, muito menos "inteligente" e de menos conteúdo do que a música mais tradicional.
JM: Na verdade, a gente tem hoje música funk bem interessante. Ele se aproxima muito da música popular. Nem até da música popular, mas da música pop, pop mesmo, inclusive o pop internacional. […] Apenas faz com que seja uma música mais rápida, música "fast food", a gente pode dizer assim. Então, é assim: há uma necessidade de você ter uma música para se dançar, para se curtir de uma noite, para beber, para fazer uma balada. […] Não é uma música para você parar, para ficar pensando, falar de um grande amor.
S: É mais fácil para consumir, né?
JM: Exato. E é para aquele ambiente. O samba já é uma coisa mais genuinamente brasileira, porque tem referências fortes das coisas históricas, por conta dos nossos antepassados, da nossa colonização, do nosso envolvimento cultural com a África… E, por fim, porque os portugueses levaram o violão para lá. Então, a gente misturou o swing percussivo dos escravos com violão trovador português. Misturou e fez a bossa nova, o samba, a MPB.
JM: Eu acho que é impossível não se afetar com a política. A gente hoje vive em um mundo de constantes mudanças, com pensamentos completamente diferentes, com interferências e influências completamente diferentes. […] Eu tenho formação jurídica, eu vejo as coisas na televisão e tenho um outro olhar, não só artístico. […] Às vezes queria entender menos, para talvez ficar um pouco mais alienada, o que é mais fácil — negar aquilo que está acontecendo.
"Mas, para mim, a minha grande preocupação hoje não é só política, é a questão pessoal das pessoas não esquecerem que o mais importante nessa vida é que a gente está aqui para amar, inclusive amar o próximo. Quando eu vejo tanta guerra, tanta discussão por falta de amor, é muito difícil", expressou Ju.
A artista também sublinhou que a imagem que se cria da Rússia em várias mídias ocidentais, de que é um país "bravo, de ditadura, com muita violência" não tem nada a ver com a realidade. Até realçou que em Moscou teve muito mais segurança em sair na rua à noite, já que "está tudo muito tranquilo".
Ju mostrou também que vem decepcionada com aquilo que está acontecendo no seu país hoje em dia.
"Eu mesma tenho um país lindo, de pessoas incríveis que amam receber, recebem muito bem as pessoas, de forma muito carinhosa, de um clima maravilhoso, de música, de comida, de praias maravilhosas. Mas é um lugar difícil, assim como qualquer outro. […] O Brasil passa por uma fase também muito difícil, em que a gente vive em uma corrupção absurda, em que a gente tirou uma presidente de uma forma absurda, e a gente está mantendo outro de uma forma absurda que provavelmente vai cair também. Acho que o mundo está passando por uma fase muito difícil. Mas, como todo o fim de capítulo de um livro, a gente tem aquele momento terrível, mas depois começa a construir uma história nova. Eu sou positivista nesse sentido", resumiu.
A Sputnik Brasil agradece à Embaixada da República Federativa do Brasil na Rússia pela parceria na organização da entrevista e deste lindo evento que contribui para a divulgação da cultura brasileira entre os cidadãos russos.