Desde o início do seu governo, Trump buscou na China o seu principal aliado para lidar com Pyongyang. O presidente dos Estados Unidos acreditou que Pequim poderia usar a sua proximidade com um aliado histórico para fazer o governo de Kim Jong-un ceder aos seus pedidos pela desnuclearização da península.
Sem sucesso e diante das recentes provocações norte-coreanas, incluindo aqui testes com mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs, na sigla em inglês) que podem atingir cidades dos EUA, Trump deveria se voltar para a Rússia se quiser uma alternativa diplomática para a crise. É o que sugere o diplomata russo Georgy Toloraya.
Em artigo publicano no site 38 North, especializado em temas norte-coreanos, ele explicou que o governo de Vladimir Putin vem acompanhando o agravamento da crise, e por boas razões, uma vez que qualquer conflito militar teria efeitos para o Kremlin – e nem todos eles favoráveis, muito pelo contrário.
Segundo Toloraya, nenhum especialista russo acredita que a Coreia do Norte ousaria atacar os EUA, este sim o culpado pela escalada da crise na península. Para os mesmos analistas, Pyongyang mantém o seu programa militar e nuclear para o caso de um ataque preventivo ordenado pela Casa Branca, e os riscos na região são enormes para serem mensurados.
"A questão é: existe uma maneira pacífica de sair desse impasse? Pyongyang disse muitas vezes que não quer ter os EUA como um 'inimigo eterno' e, de fato, gostaria de melhorar as relações com Washington para proteger-se da dominação chinesa. Assim, um relacionamento mais normal da Coreia do Norte com os EUA pode até equilibrar a crescente influência chinesa na região", pontuou o diplomata russo.
Desnuclearização
Por ambos concordarem que é preciso desnuclearizar a Coreia do Norte, Washington e Moscou poderiam superar suas diferenças bilaterais e trabalhar juntos. Contudo, o governo Trump teria de ceder em vários aspectos, sobre os quais o Kremlin diverge frontalmente. O primeiro seria descartar, de uma vez por todas, a opção militar.
Um segundo ponto diz respeito à exigência dos EUA de uma desnuclearização imediata, completa e irreversível de Pyongyang. De acordo com Toloraya, a Rússia acredita que as negociações em torno da segurança devem ser levadas em paralelo com as discussões sobre o programa nuclear, levando a um tratado entre estadunidenses e norte-coreanos.
Além disso, Moscou não vê sanções como uma saída rumo ao fim da crise, e é crítica a postura de setores da política dos EUA, que sequer reconhecem a Coreia do Norte como um Estado soberano. "A Rússia pensa que reconhecer um estado que existe há mais de 70 anos e é membro das Nações Unidas é um passo normal para a criação de um sistema de segurança coletiva no Nordeste da Ásia", emendou o diplomata.
Outro ponto de concordância entre norte-americanos e russos diz respeito ao fato de que a paciência estratégica com Pyongyang já não é mais aceitável. O passar do tempo só poderá favorecer o desenvolvimento do programa nuclear do país asiático, que por sua vez poderia ameaçar os seus vizinhos em troca de concessões.
"Como esse perigo pode ser removido? Primeiro, é hora de conter urgentemente o desenvolvimento das ADM [armas de destruição em massa] da Coreia do Norte, quando as capacidades de mísseis nucleares e balísticos norte-coreanos ainda não alcançaram todo o seu potencial e os norte-coreanos estão sinalizando (inclusive para um público russo) seu interesse potencial em congelar suas armas nucleares e programas de testes de mísseis", sugeriu.
Toloraya complementou, afirmando que "em segundo lugar, em uma fase posterior, devem ser alcançados acordos multilaterais de segurança, políticas e econômicas para começar a desconstruir o míssil do Norte e as capacidades nucleares em troca de um tratado de paz ou tratados que garantam a segurança da Coreia do Norte e impedem qualquer agressão" contra o governo do país asiático.
Concessões e acordos
A discussão ponto a ponto de algumas medidas exigidas por cada um dos lados precisaria de uma importante constatação por parte da Casa Branca: de que a lista de concessões possíveis pela Coreia do Norte é muito menor do que a dos EUA.
"Isso ocorre porque algumas das concessões de Pyongyang são irreversíveis (como acesso intrusivo e inspeções para verificar o cumprimento norte-coreano de seus compromissos de desmantelamento), enquanto a maioria das concessões no ‘menu’ dos EUA são reversíveis (levantamento de sanções, um ‘tratado de paz’, reconhecimento diplomático, etc.)", explicou o diplomata russo.
Estabelecido um canal diplomático, a Rússia poderia participar com um "papel produtivo" para "galvanizar discussões multilaterais sobre mecanismos para facilitar negociações abrangentes". "Tal como aconteceu no formato anterior das Conversas de Seis Partes, um grupo de trabalho sobre mecanismos de paz e segurança para o Nordeste da Ásia poderia ser convocado sob os auspícios russos. Ele pode monitorar e capitalizar os resultados dos acordos bilaterais e discutir outras etapas multilaterais".
Tal movimento seria seguido de acordos diplomáticos entre a Coreia do Norte e países da região, chegando a um terceiro estágio em que todas as nações envolvidas na crise participariam de discussões para o estabelecimento de uma política comum de segurança na área, com "um quadro dentro do qual as questões de desnuclearização, sanções, controle de armas convencionais e medidas de fortalecimento da confiança, a presença militar de tropas estrangeiras na península e todas as outras questões de segurança serão discutidas".
Embora reconheça que tal plano possa soar como "um sonho", Toloraya crê que, no longo prazo, será preciso que EUA e Coreia do Sul reconheçam a existência da Coreia do Norte, busquem uma política de coexistência com Pyongyang, que por sua vez deve entender que a prosperidade só virá distante de um programa nuclear que ameace outros países.
"Outros atores regionais (China, Rússia e Japão) devem evitar perseguir interesses egoístas e limitar suas ações para construir pontos e evitar mal-entendidos, com base na realidade de que a guerra na Península Coreana não beneficiaria ninguém", ponderou o diplomata russo, que por fim concluiu: "se os países não estiverem preparados para isso, que se preparem para a guerra".