O índice geral também impressiona: 60% dos haitianos declaram que gostariam de migrar se tiverem a chance.
A aproximação diplomática trazida entre o Haiti e os países da missão — em sua maioria latino-americanos — porém, causou o novo êxodo à parte sul do globo. Benesses na concessão dos vistos de permanência oferecidas após o terremoto de janeiro de 2010 que matou mais de 300 mil haitianos tornaram a América do Sul um sonho para boa parte da população.
"Não havia migração periódica [para a América do Sul], só para ilhas vizinhas e EUA. Agora há um direcionamento especialmente ao Chile e ao Brasil. Houve um eldorado haitiano em 2012, 2013, embora tenha se tornado um pesadelo quando entramos [o Brasil] em crise", Seitenfus disse à Sputnik.
O perfil do migrante haitiano
Há grupos diferentes saindo do Haiti. Enquanto os escolarizados procuram a continuidade dos estudos em solo estadunidense ou europeu, o Brasil recebe desde 2014 os de baixa escolaridade, ocupando vagas em setores de serviços no Sudeste e Sul do país.
A haitiana Faradjine Alfred, 26 anos, é um exemplo. Fala cinco idiomas (francês, crioulo, inglês, espanhol, português), entende três (alemão, mandarim e italiano), graduou-se em Linguística na Universidade Estatal do Haiti e estudou Cultura Ibero-americana na Universidade Complutense de Madrid. Formada há 4 anos, ela até hoje não conseguiu nenhum emprego formal no próprio país.
"Nós jovens não temos oportunidades, é muito difícil conseguir um emprego decente no Haiti", reclama. Em um beco sem saída, Faradjine já decidiu: em 2018 pretende se mudar possivelmente para a Europa ou para os Estados Unidos, embora a facilidade com o português também a faça considerar o Brasil mesmo em meio à crise política e econômica.
"Os que vão para o Brasil buscam trabalhos de nível mais baixo porque quem tem [o diploma de nível superior] tenta chegar a outros países", disse o embaixador brasileiro em Porto Príncipe, Fernando Vidal, que falou com exclusividade à Sputnik Brasil. Ele encomendou um levantamento no ano passado para filtrar o perfil dos migrantes e descobriu que a maioria dos haitianos aqui chegam para trabalhar em setores com menos especialização, como a indústria alimentícia.
"Continuamos a receber homens jovens, com pouca formação que chegam para trabalhar e trazer a família. Há três anos estamos recebendo estudantes haitianos na universidade, tivemos 25 deles, mas se formam e a maioria vai embora porque não há estrutura para oferecer disciplinas em outros idiomas. Se o Brasil quer receber essa mão de obra qualificada, também deveria simplificar o processo de validação do diploma, que é caro e leva muito tempo", pensa a professora.
Já Seitenfus pensa que se quiser contribuir para a melhora do Haiti, o Brasil não pode empreender na "drenagem de cérebros" do país. "É fundamental criar condições no Haiti para que os haitianos permaneçam no seu território nacional. Enquanto não auxiliarmos na construção de um Estado funcional, com possibilidades de empregabilidade e iniciativa privada forte, nós veremos a situação se agravar", critica.
Quem decidiu voltar
A quantidade ainda é tímida, mas alguns haitianos, depois de formados e com condição de vida estabilizada, resolvem voltar ao país. Não há números, mas há exemplos. É o caso da administradora Savela Jacques Berenji, 36 anos.
"Cada um desses lugares me marcou. Trabalhamos em favelas, províncias, bairros desfavorecidos e era preenchida de ideologia e esperança. Isso me levou a retornar ao Haiti para colocar toda a minha alma a serviço da população e ajudar os haitianos a tornarem-se autônomos", conta.
Desde 2012, Savela é diretora de uma ONG que trabalha com empoderamento da comunidade, construção de lideranças e redução da criminalidade por meio do esporte. Ela diz não ter a pretensão de ver grandes mudanças durante o seu tempo de vida, motivo pelo qual prepara a filha Ayla Berenji, 12 anos, para assumir a batuta quando mais velha. Mesmo com a pouca idade, Ayla já fala 5 idiomas com fluência.
"Eu a preparo para um grande futuro no Haiti. Espero que ela possa estudar em uma boa universidade na França ou no Canadá, talvez na Inglaterra. Se depois de seus estudos ela não voltasse ao Haiti para trazer de volta o que aprendeu, consideraria que perdi dinheiro em sua educação", avalia.
Savela não precisa se preocupar. Bem articulada, a menina se diz consciente dos privilégios que tem por frequentar uma boa escola privada. Ela nem pensa em viver fora do Haiti. "É claro que vou retornar, eu quero continuar o sonho da minha mãe em melhorar as vidas nas comunidades".
Talvez seja cedo para usar os exemplos como um alento de um país que necessita urgentemente de mão de obra especializada para sua construção. Embora não existam números globais, um levantamento do Centro Schomburg de Pesquisa sobre a Cultura Negra indicou que 7000 haitianos migrarão permanentemente para os Estados Unidos só neste ano.