Entretanto, há dois anos as peças se baralharam. Após uma longa "anabiose" provocada pela queda do poder soviético, Moscou voltou a aparecer no palco árabe, desta vez como pacificadora e libertadora da tenebrosa ameaça jihadista.
Reino 'de todos os muçulmanos'?
A Arábia Saudita, além de ser o maior país no Oriente Médio, também tem tido as maiores ambições de liderança regional. Isto se justifica não só pelo seu território vasto, mas sobretudo pela riqueza mitológica do reino saudita. Além disso, ele se encontra na encruzilhada dos percursos de todos os muçulmanos — ou seja, abarca Meca e Medina, os maiores santuários da religião islâmica.
Esta aspiração implacável de liderar o mundo árabe tem sido questionada e ameaçada, por sua vez, por outro ator regional — o Irã. O conflito entre os dois países atingiu tal patamar que até recebeu o nome de "Guerra Fria no Oriente Médio". A "corrida à liderança" se agrava, além de tudo o mais, pelo fato deles representarem ramos diferentes do islã — o sunita e o xiita.
Essa concorrência, por sua vez, definiu a estratégia estadunidense na região. Logo após a revolução islâmica no Irã, a Casa Branca começou a manifestar apoio aos sauditas e a desafiar Teerã e, com a passagem do tempo, virou o maior fornecedor de armamentos a Riad.
Relações dolorosas com Washington
Muitos especialistas indicam: após várias décadas de controle total efetuado pelos EUA a partir de fora, já no início do século corrente os sauditas começaram a se fartar de seu papel de "fantoche". A intervenção cada vez maior dos norte-americanos provocou descontentamento e uma espécie de protesto, porém "o ponto de não retorno" ocorreu em 2001, quando quase 3.000 cidadãos americanos morreram na sequência dos atentados de 11 de setembro, alegadamente organizados pelo saudita Osama bin Laden e sua organização Al-Qaeda.
A posterior intervenção estadunidense nos territórios iraquiano e afegão, realizada no marco da operação Guerra ao Terror, suscitou o esfriamento das relações, por menores que sejam as semelhanças entre os sauditas e os territórios ocupados. De qualquer maneira, o reino, dado seu papel do líder, não podia ficar cego perante uma uma violação tão séria de soberania nacional.
Entretanto, todo o leque de contradições acabou por não afetar a disponibilidade das partes para comerciar. Os sauditas continuaram comprando todo o tipo de armas a Washington e, mais que isso, se juntou a ela em uma operação aérea militar contra a Síria.
Nisso, Riad viu uma traição por parte dos seus parceiros, tanto mais que, na época, na sua região começavam a surgir outros atores externos de grande perspectiva — inclusive a Rússia.
'Judô geopolítico' de Putin
No mandato corrente do líder russo, aconteceu muita coisa no que se refere à política externa. A Rússia se reunificou com a Crimeia, as relações com a Ucrânia atingiram o ponto mais crítico, foram impostas sanções e contrassanções… Contudo, nesta lista também está um fator que não escapou a todos os analistas do mundo — tanto russos quanto ocidentais.
Nesse contexto, não é de estranhar que a recente visita do rei saudita, Salman bin Abdulaziz al Saud, provoque um pânico tormentoso em Washington. Um pânico tão grande, que as autoridades americanas se apressam a aprovar um acordo comercial que por muito tempo mantinham em suspenso — o de compra dos sistemas de defesa antimíssil THAAD — provavelmente para fazer Riad "mudar de ideia" e voltar ao seu colo.
Enquanto isso, a mídia internacional não para de falar dos resultados frutíferos do encontro entre Vladimir Putin e Salman bin Abdulaziz al Saud. Entre eles está a decisão da Arábia Saudita, país-líder da OPEP, de diminuir a produção de petróleo para conter a consequente queda de preços e impulsionar a demanda. E uma notícia ainda mais sensacional: isto é, a possível compra de sistemas S-400 russos pelo reino.
Atualmente, os especialistas se dividem nas avaliações desta parceria: uns dizem que, mesmo sendo frutífera, ela não poderá minar a aliança duradoura Riad-Washington apesar de todos os seus desentendimentos.
Outros, aliás, duvidam que os sauditas, na verdade, fechem esse acordo e se tornem o terceiro país, além da China e Turquia, a adquirir os sistemas de defesa antiaérea russos. Já os terceiros afirmam que Riad pode se contentar tanto com o THAAD, como com os S-400, pois eles atuam a diferentes altitudes, e participar de um "jogo em dois campos".
Entretanto, todas estas opiniões coincidem em uma ideia comum: após décadas de domínio norte-americano, a Rússia, finalmente, virou um ator de grande peso no Oriente Médio e hoje em dia isto já é impossível de ignorar.