A Porto Editora publica anualmente desde 2009 a palavra escolhida pelos portugueses de um conjunto de 10 palavras finalistas. Estas 10 são produto do trabalho de acompanhamento da realidade da língua portuguesa, feito com base na análise de frequência e distribuição de uso das palavras e do relevo que elas alcançam, tanto nos meios de comunicação e redes sociais como no registro de consultas online dos dicionários da editora, tendo em consideração também as votações dos portugueses através do site do concurso.
As dez palavras finalistas deste ano são: "afeto", "cativação", "crescimento", "desertificação", "floresta", "gentrificação", "incêndios", "independentistas", "peregrino" e "vencedor".
Muitos referem que conjunto de palavras escolhidas em um país em determinado ano forma uma espécie de "fotografia dos interesses e preocupações das pessoas" nesse lugar e nesse tempo. Analisadas ao longo dos vários anos, são como que um retrato do que as pessoas pensam em determinado período histórico.
A Sputnik Brasil pediu à professora catedrática Inês Duarte, do Departamento de Linguística Geral e Românica da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que comentasse a escolha destas dez palavras e o seu significado:
Depois temos aqui a questão do 'crescimento' e da 'cativação', que mostram bem que nós continuamos muito atentos à nossa situação econômica. A 'cativação', como sabe, tem a ver com a estratégia que o governo tem usado para controlar a despesa pública. Isso tem sido muito atacado pela oposição.
'Gentrificação' tem a ver com que se está a passar em Lisboa e no Porto por causa do turismo. A 'gentrificação' é uma palavra que vem do 'gentry', um termo que nasce no mundo anglo-saxônico exatamente quando, por políticas ligadas com a revitalização de zonas dos centros das cidades que estavam degradadas, começa a haver a expulsão dos inquilinos mais débeis que eram os que viviam nessas zonas, no centro da cidade. Isso aconteceu em grande parte no mundo anglo-saxônico, sobretudo nos Estados Unidos e também em Inglaterra. Aí, os subúrbios são as zonas finas e os centros das cidades eram as zonas pobres, ao contrário do que se passa em muitas cidades europeias. Paris, por exemplo, deslocou todos os imigrantes para fora do centro, em Lisboa em muitos bairros também acontece isso. Em Londres, só a partir de determinada altura é que alguns bairros do centro viraram chiques, por exemplo, a zona oriental de Londres era uma zona degradada, de criminalidade.
Este processo está muito claro agora em Lisboa. Por um lado, do ponto de vista das cidades, tem efeitos positivos, leva à recuperação de zonas importantes, até historicamente, por outro lado, se isto não for acompanhado de políticas ativas de habitação que tenham em conta as populações mais frágeis, mais pobres, pode levar a coisas terríveis, a aumentarmos de uma forma completamente desumana o número de pessoas que são arrastadas para fora das cidades, das zonas que elas conheciam, onde tinham apoios de vários tipos. Como sabe, nos países do sul os vizinhos são muito importantes. Isso também provoca o aumento dos sem-abrigo [sem-teto].
Quanto à palavra 'afeto', ela tem a ver com uma etiqueta que é colada ao presidente da República [portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa], o 'presidente dos afetos'. De fato, ele é uma pessoa que tem uma capacidade de empatizar com os outros, é um excelente comunicador e os afetos penso que têm a ver com isso, com essa forma de exercer a mais alta magistratura da República, de uma forma completamente diferente, sobretudo depois daquela criatura que presidiu antes. Ele tem essa capacidade de comunicar, de se entrosar com todo o tipo de pessoas, de classes sociais diferentes, e de várias maneiras.
'Peregrino' tem a ver com vinda do Papa a Fátima [cidade portuguesa famosa pelo alegado aparecimento da Virgem Maria diante de três pastorzinhos]. Sim, foi um momento alto para um país… eu não sei se é predominantemente católico ao nível das convicções profundas e da prática, mas é um país (pelo menos uma parte dele) que dá muita importância às festas religiosas, às romarias. Digamos que, do Mondego para cima, quando lá passeamos entre maio e outubro não há terrinha onde não haja uma festa, uma procissão… E Fátima, de fato, tem um lugar muito importante no imaginário católico português.
Que palavra vencerá?
A professora Inês Duarte se absteve de alguma maneira de dar uma resposta clara a esta pergunta, alegando que "nunca acerta em nada que tenha a ver com lotarias". Porém, indicou que pode ser qualquer palavra à volta dos incêndios, da floresta, da desertificação. Quanto à redação da Sputnik Brasil, acreditamos que será a palavra "incêndios", se os portugueses se concentrarem em problemas internos do país, ou "independentista", se o foco for colocado na realidade internacional. Em todo caso, vamos saber a palavra vencedora em 4 de janeiro de 2018. A votação está em curso até 31 de dezembro em www.palavradoano.pt.