"Eu achei que fosse perder o bebê. Quebraram meu celular, eu estava muito nervosa e desde então vivo com medo", contou Waleska à Sputnik Brasil.
A violência enfrentada pela mãe de santo, porém, não representa um ponto fora da curva. Dados compilados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos em janeiro confirmam: foram 697 ocorrências por intolerância religiosa entre 2011 e 2015, a maioria contra religiões de matriz africana. Só no Rio de Janeiro, a Secretaria de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos (SEDHMI) estima que até outubro deste ano, foram 41 casos no estado.
A ineficiência do Poder Público para coibir atos violentos do tipo dará início a uma denúncia contra o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas cabe o questionamento: por que a intolerância contra candomblecistas e umbandistas está cada vez mais presente no país?
Ausência do Estado e preconceito
"As pessoas não escondem mais a cara para dizer que nos odeiam. Somos signatários dos maiores tratados de direitos [humanos] e temos uma legislação extremamente avançada, mas ela não é cumprida. O Estado não se faz presente no acolhimento destas denúncias e muito menos através de medidas para coibir essa prática", avalia Makota.
A coordenadora avalia que a "conjuntura de desesperança" presente no Brasil servem como combustível para casos de intolerância. Ela ainda critica a pouca eficiência das autoridades da Justiça e do Ministério Público. Desde setembro de 2015, frequentadores de um terreiro de candomblé na cidade de Santa Luzia lutam pelo direito de utilizar atabaques nos ritos religiosos. Em um Termo de Ajustamento de Conduta imposto pelo promotor Marcos Paulo Souza Miranda, foram estabelecidas uma série de restrições à prática do candomblé.
"O Judiciário brasileiro é completamente comprometido com essas formas conservadoras que ferem o princípio da liberdade […]. O promotor impôs forma e método para se rezar dentro de um terreiro de candomblé. Só se pode rezar no dia e horário determinado por ele, nós utilizamos três atabaques [instrumento de percussão semelhante a um tambor] e agora só podemos usar um. E quando se vai falar com o promotor, ele diz 'eu não vejo isso como ameaça à religião do outro'", denuncia a ativista.
Associação entre evangélicos e grupos criminosos
Em maio, a candomblecista I. chegava ao terreiro que frequenta em uma comunidade da Tijuca, na zona Norte do Rio, quando foi impedida no meio do caminho por uma mãe de santo. Exasperada, a senhora informou que criminosos tinham ameaçado "abrir na bala a cabeça de quem resolvesse voltar ali para adorar o demônio". Indignada, I. ainda tentou argumentar, mas chegou à conclusão de que se insistisse, perderia a vida.
"Disseram que ele [o traficante] se converteu e que o pastor sentia a presença do demônio por lá", ela conta.
"Acredito que o crescimento das igrejas neopentecostais e a presença deles nas penitenciárias podem vir a fortalecer essa relação. A própria Igreja Católica, a Pastoral Carcerária pede essa presença constantes nos presídios, os evangélicos têm acesso liberado da visita religiosa. Visita que não é permitida aos terreiros na mesma proporção. Sem contar que nas comunidades, os pastores desse segmento também têm grande penetração".
Os bons exemplos
Em tempos de intolerância e violência, outros grupos evangélicos mostram que a convivência é possível. É o exemplo dado pela Igreja Cristã de Ipanema (ICI), que em outubro desse ano doou R$11 mil para a reconstrução do terreiro do barracão Kwe Cejá Gbé de Nação Djeje Mahin, em Duque Caxias. Foram dois anos de campanha junto com o Conselho de Igrejas Cristãs do Estado do Rio de Janeiro (CONIC-Rio) sob o lema "o terreiro que for destruído em nome de Jesus também será reconstruído em nome de Jesus".
Coordenada pelo pastor Edson Fernando de Almeida, que há 25 prega semanalmente no local, a ICI tenta promover o encontro ecumênico e o diálogo entre as religiões. Frequentemente são realizados encontros em que líderes do candomblé, umbanda, islamismo, judaísmo e espiritismo para explicar sobre suas raízes. "Há tradições afro muito bonitas que precisam ser respeitadas, o diálogo é difícil, mas é riquíssimo", argumenta o pastor.
"Se você pegar o sermão da montanha, ele diz que bem-aventurados são os misericordiosos e pacificadores. Tradições religiosas que deveriam ser propagadoras dessa missão de Cristo se tornam beligerantes e destruidoras. É transformar a Bíblia em um livro de julgamento, é eleger o Mal para se dizer defensor do Bem", diz.
O pastor conta que, ao ver um altar africano destruído, se sente "escandalizado, como se fosse com a gente" e que, embora a Igreja não esperasse que a doação aos candomblecistas chamasse tanta atenção, fica feliz que a atitude tomada pela ICI "incentive grupos evangélicos que não se sentem representados por esse extremismo a se indignarem e protegerem o outro".