Havia no ar uma esperança de que, finalmente, começasse algum processo de paz eficiente entre as partes, dado que o líder norte-americano, Donald Trump, tocou neste tema bem frequentemente a até efetuou uma viagem para negociar tanto com os líderes israelenses como palestinos na primavera deste ano.
Mas tudo mudou em um dia — e pôs em questão a resolução do conflito de uma vez por todas, pelo menos nas condições políticas de hoje.
Trump — o líder mais 'pró-israelense' na história?
Em 6 de dezembro, o presidente Trump fez uma declaração histórica — ao "aceitar uma realidade existente", reconheceu Jerusalém como a capital oficial de Israel, o que provocou uma onda de indignação acesa por parte da população árabe da área e das zonas vizinhas.
Vale ressaltar que, evidentemente, Donald Trump, desde o início da sua governança e até no contexto da corrida presidencial, se mostrou como um político bem inclinado a apoiar as autoridades israelenses, inclusive até os defensores ativos das ideias do sionismo, ou seja, a unificação e ressurreição do povo judeu no território de Israel.
Isso foi algo que o diferenciou significativamente do seu antecessor — pois para algumas camadas da elite israelense as relações bilaterais na época de Obama foram as piores da história.
Ademais, alguns analistas frisam também o papel da filha do presidente, Ivanka Trump, e seu marido, Jared Kushner, na equipe presidencial, dado que ambos eles professam o judaísmo. Já o genro do presidente norte-americano se ocupa da resolução do conflito árabe-israelense dentro da administração e, provavelmente, desfruta de certas alavancas para influir no processo.
Símbolos que valem
Mas será que os passos recentes da Presidência estadunidense contribuem na verdade para a causa da paz? Parece que nem por isso, embora de fato esta decisão não mude nada.
Primeiro, a decisão do Congresso dos EUA sobre a deslocação da embaixada americana para Jerusalém já existe por mais de 20 anos, desde 1995, só que todos os líderes a prometiam assinar, mas adiavam cada vez que podiam. Trump, nesse respeito, não mentiu nem ao seu eleitorado, nem à comunidade internacional, pois falava disso na corrida eleitoral e o fez na sua governança, ao contrário dos seus antecessores.
Segundo, Jerusalém, além de ser uma cidade disputada, já alberga a residência do presidente, o parlamento (knesset) e o governo israelenses. É aqui que decorre a maioria das negociações internacionais e se concedem as credenciais aos diplomatas. Em outras palavras, Jerusalém é a capital israelense "de facto", a coisa é que agora ganhou seu status "de jure".
É verdade que em um comunicado oficial a Presidência estadunidense evitou definir as fronteiras definitivas e zonas de controle dentro da cidade. Porém, mesmo tomando em conta esta ressalva, com o reconhecimento de Jerusalém como capital israelense Trump, de fato, deixou claras as preferências da Casa Branca neste conflito.
Por que é esta questão tão sensível?
O problema da identidade de Jerusalém tem sido sensível desde a própria criação do Estado de Israel. Antes de 1947, os respectivos territórios tinham sido governados pelo chamado mandato britânico emitido pela Liga das Nações em 1922 na sequência de uma migração maciça de judeus para os territórios palestinos no início do século XX.
No entanto, após a Segunda Guerra Mundial, em 1947, a ONU adotou a resolução que dividiu a Palestina em dois Estados, judaico e árabe, definindo Jerusalém como cidade sagrada tanto para judeus como para árabes e cristãos e concedendo-lhe um status neutro, pois esta alberga santuários importantes para todas as três religiões.
Embora oficialmente o status da cidade tenha permanecido o mesmo até hoje, os israelenses, de fato, ocuparam sua parte ocidental em resultado da Guerra pela Independência (1947-48). Já na sequência da Guerra dos Seis Dias, em 1967, conseguiram se estabelecer em todo o território da cidade.
Haverá 3ª intifada?
Resumindo tudo, se pode dizer que, com sua decisão, Trump "garimpou" a ferida que recentemente tem começado a se cicatrizar um pouquinho, mas continua profunda. Os ativistas palestinos já realizaram um "dia da ira", o Hamas proclamou o começo da terceira intifada, enquanto as forças em confronto trocam ataques de mísseis.
No contexto de tudo isso, surge a pergunta se na verdade estamos enfrentando uma terceira deflagração da luta independentista palestina que, das últimas duas vezes, já levou milhares de vidas?
Deste modo, de fato, a decisão de Trump não muda nada no que se trata do balanço das forças na região. Entretanto, ele deixa o processo de paz árabe-israelense ainda mais congelado e questionado, e talvez pondo em funcionamento um relógio-bomba em perspectiva mais longa.